Decisão proferida pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal no HC 111762, julgado em 13/11/2012 (leia a íntegra do acórdão).
Confira a ementa:
HABEAS CORPUS. PENAL. PROCESSUAL PENAL. EXTRAÇÃO DE OURO. INTERESSE PATRIMONIAL DA UNIÃO. ART. 2º DA LEI N. 8.176/1991. CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE. ART. 55 DA LEI N. 9.605/1998. BENS JURÍDICOS DISTINTOS. CONCURSO FORMAL. INEXISTÊNCIA DE CONFLITO APARENTE DE NORMAS. AFASTAMENTO DO PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. INCOMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL. 1. Como se trata, na espécie vertente, de concurso formal entre os delitos do art. 2º da Lei n. 8.176/1991 e do art. 55 da Lei n. 9.605/1998, que dispõem sobre bens jurídicos distintos (patrimônio da União e meio ambiente, respectivamente), não há falar em aplicação do princípio da especialidade para fixar a competência do Juizado Especial Federal. 2. Ordem denegada. (HC 111762, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 13/11/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-237 DIVULG 03-12-2012 PUBLIC 04-12-2012)
Leia a íntegra do voto:
V O T O
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA – (Relatora):
1. Razão jurídica não assiste à Impetrante.
2. Ao declinar da competência para o Juizado Federal Especial local, o Juízo Federal da 3ª Vara de Porto Velho/RO afirmou:
“A conduta censurada, bem se vê, consistiu na extração ilegal de minérios (ouro) de área pertencente à União: leito do Rio Madeira, em Porto Velho/RO. O bem ou objeto jurídico tutelado é o meio ambiente, induvidosamente. A partir dele, eixo central da dogmática penal moderna, define-se a lei penal passível de incidência: 9.605/1996 (lei dos crimes ambientais). Somente a eventual não configuração das elementares de suas fórmulas incriminadoras legitimaria, em tese, a evocação de crime contra o patrimônio da União (Lei 8.176/1991), de caráter subsidiário, máxime à ausência de transporte. O conflito aparente de normas é solvido com a aplicação do princípio da especialidade: lex specialis derogat legi generali. Situação análoga se verifica na hipótese de flagrância quanto à introdução irregular de cloreto de etila estrangeiro em território nacional: tem-se ‘concurso’ entre os tipos do artigo 334 do Código Penal e do artigo 33 da Lei 11.343/2006, resolvido pela incidência do derradeiro, à conta de seu elemento ‘especializante’. Nesta linha, configurado o crime tipificado na Lei 9.605/98, artigo 55, tem-se, em tese, infração penal de menor potencial ofensivo, nos termos da Lei 10.159/2001, artigo 2º, em liame com a Lei 9.099/95, artigo 61, com a nova redação dada pela Lei 11.313, de 28 de junho de 2006. A competência, para processar a espécie, portanto, incumbe ao Juizado Federal Especial local. Remetam-se-lhe os autos, pois, com as nossas homenagens”.
3. Ao prover o Recurso em Sentido Estrito n. 2009.41.00.001596-5 do Ministério Público Federal, a Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região assentou:
“Com efeito, verifico que, no presente caso, não se aplica o princípio da especialidade. Ocorre que os fatos apurados nos autos subsumem-se, em tese, aos tipos delitivos do art. 2º, caput, da Lei n. 8.176/1991 e do art. 55 da Lei n. 9.605/1998, que tutelam diferentes bens jurídicos: o primeiro protege interesse patrimonial da União, enquanto o segundo define crime ambiental. Diferentes, portanto, os objetos dos preceitos incriminatórios, não havendo que se falar em conflito aparente de normas. (…) A Lei n. 8.176/1991 ‘define crimes contra a ordem econômica e cria o sistema de estoque de combustíveis’, enquanto que a Lei n. 9.605/1998 ‘dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente’. Distintos, portanto, os objetos dos preceitos incriminatórios, não ficam submetidos às regras da sucessão temporal das leis, para fim de revogação. (…) Dessarte, havendo, em tese, violação não só ao art. 55 da Lei n. 9.605/1998, mas também ao art. 2º, caput , da Lei n. 8.176/1991, em concurso formal, não se caracteriza, no caso, infração de menor potencial ofensivo, afastando-se a competência do Juizado Especial Federal. A competência para processar e julgar o feito é da Justiça Federal Comum . Isto posto, dou provimento ao recurso, para declarar a competência do juízo federal da 3ª Vara da Seção Judiciária de Rondônia, determinando o retorno dos autos à Vara de origem para os atos subsequentes” (grifos nossos).
4. Esse julgado foi mantido pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, que assentou não existir “conflito aparente de normas entre o delito previsto no art. 55 da Lei n. 9.605/98, que objetiva proteger o meio ambiente, e o crime do art. 2º, caput, da Lei n. 8.176/91, que defende a ordem econômica, pois tutelam bens jurídicos distintos, existindo, na verdade, concurso formal”.
5. Esse acórdão está em harmonia com a jurisprudência deste Supremo Tribunal:
“HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. ARTS. 2º DA LEI N. 8.176/91 E 55 DA LEI N. 9.605/98. TUTELA DE BENS JURÍDICOS DISTINTOS. REVOGAÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. 1. Os artigos 2º da Lei n. 8.176/91 e 55 da Lei n. 9.605/98 tutelam bens jurídicos distintos: o primeiro visa a resguardar o patrimônio da União; o segundo protege o meio ambiente. 2. Daí a improcedência da alegação de que o artigo 55 da Lei n. 9.605/98 revogou o artigo 2º da Lei n. 8.176/91. Ordem indeferida” (HC 89.878, Rel. Min. Eros Grau, DJe 14.5.2010, grifos nossos).
6. Dessa forma, como se trata, na espécie vertente, de concurso formal entre os delitos do art. 55 da Lei n. 9.605/1998 e do art. 2º, caput, da Lei n. 8.176/1991, que dispõem sobre bens jurídicos distintos, não há falar em aplicação do princípio da especialidade para fixar a competência do Juizado Especial Federal.
7. Pelo exposto, encaminho a votação no sentido de denegar a ordem.
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