Quando a ARPANet surgiu em 1969, tratava-se apenas de uma rede que interligava alguns projetos de pesquisa. Entrementes, ao final da Guerra Fria, passou a interligar laboratórios e centros de pesquisas de universidades, surgindo o nome “internet”. Em seguida, estendeu-se mundialmente para universidades menores, tornando-se, ao final dos anos 80, um meio de comunicação mundial, e não mais um instrumento restrito (MURARO, 2009, p. 173). Iniciava-se uma nova era com a internet.
Nesse ponto, a internet diminuiu as distâncias, alterou os sentidos de presença e ausência, criou uma cultura ao seu redor e se tornou algo essencial à vida do ser humano moderno. Aliás, a internet pode ser considerada o símbolo maior da globalização, porquanto consiste no instrumento que teve a capacidade de abolir as fronteiras e unificar a comunicação entre os povos (BRANCO JÚNIOR, 2007, p. 40-41).
Daí porque Lévy (2000, p. 14) indaga: “o que é o espaço cibernético? O espaço cibernético é o terreno onde está funcionando a humanidade hoje.”
No ciberespaço, há um aumento da visibilidade e da transparência. A interação não é mais entre um-um (diálogos particulares) ou um-todos (meios de comunicação tradicionais, como televisão e rádio). A interação aqui é, nas palavras de Lévy (2002, p. 36), todos-todos, o que significa a emergência da inteligência coletiva. Noutros termos, todos podem expor suas opiniões para que todos avaliem, concordando, discordando ou expondo novas opiniões.
Apesar da existência de algoritmos que criam bolhas na internet, fazendo com que cada pessoa receba mais frequentemente notícias com as quais concorde, é cediço que há uma difusão de opiniões de forma descontrolada, o que tem um aspecto positivo – a ausência de controle/censura é benéfica à liberdade de expressão – e negativo – as informações falsas circulam nos mesmos ambientes das notícias verdadeiras.
Leigos e especialistas dividem o mesmo espaço. Análises de temas complexos parecem menos atraentes que publicações sujeitas à limitação de caracteres. O senso comum penal e a simplificação ganham destaque, enquanto os debates mais profundos perdem relevância no ambiente virtual.
A área criminal não permanece alheia a essa proposta de democratização da internet. Pelo contrário, muitas notícias divulgadas a cada minuto se referem ao Direito Penal ou ao Direito Processual Penal.
O simples compartilhamento de uma notícia relatando que um preso está cogitando delatar alguém já é suficiente para criar efeitos perversos, especialmente porque as notícias se perpetuam após ingressarem no mundo virtual. Infelizmente, o direito ao esquecimento ainda é pouco difundido no Brasil, possuindo dificuldades práticas para sua implementação em relação a notícias publicadas na internet.
No final de 2016, após decisão da Quinta Turma do STJ, muitos jornais publicaram que o desacato não era mais crime, que teria ocorrido sua descriminalização ou que “o STJ revogou o crime de desacato”. Eram notícias inverídicas, considerando que se tratava de uma decisão em um caso concreto, sem efeito vinculante.
Após decisão do STJ no sentido de que a conduta do flanelinha não tem adequação típica em relação ao art. 47 da Lei de Contravenções Penais (leia aqui), preponderavam na internet comentários e compartilhamentos afirmando que, a partir de agora, os guardadores de veículos poderiam “matar, roubar e estuprar”.
Quem nunca viu publicações atécnicas e tendenciosas com o título “bolsa bandido”, referindo-se ao auxílio-reclusão?
A questão criminal é um dos temas mais falados. Na era virtual, também é um dos temas mais compartilhados.
Portanto, em respeito aos direitos e às garantias fundamentais, impõe-se um cuidado na aferição da verdade das informações, sob pena de banalizar algo que não é – nem pode ser – tão simples quanto parece.
REFERÊNCIAS:
BRANCO JÚNIOR, Sérgio Vieira. Direitos autorais na internet e o uso de obras alheias. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007.
LÉVY, Pierre. A emergência do Cyberspace e as mutações culturais. In: PELLANDA, Nize Maria Campos; PELLANDA, Eduardo Campos (Orgs.). Ciberespaço: um hipertexto com Pierre Lévy. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 2000, p. 14-20.
______. Ciberdemocracia. Trad. Alexandre Emílio. Lisboa: Instituto Piaget, 2002.
MURARO, Rose Marie. Os avanços tecnológicos e o futuro da humanidade: querendo ser Deus? Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.