Absolvição: injustiça ou justiça tardia?
No processo penal, as consequências naturais são a condenação e a absolvição, havendo também outras possibilidades, como a extinção da punibilidade (prescrição, decadência, perempção, morte do agente etc) e o trancamento do processo (ausência de justa causa, atipicidade etc.).
Se avaliarmos mais detidamente, o Ministério Público apenas deveria denunciar quando tivesse a mesma certeza que um Juiz precisa ter para condenar alguém. Em outras palavras, não denunciaria para “ver o que vai dar”, mas sim para buscar uma condenação que, pela análise dos elementos informativos, pareça-lhe justa.
Destarte, teríamos um duplo filtro para a condenação. De início, o Ministério Público apenas denunciaria quando realmente se tratasse de hipótese que exige uma condenação. Posteriormente, o Magistrado faria um filtro sobre esse filtro do “Parquet”. Teríamos um processo penal justo.
Ocorre que a denúncia foi banalizada. Denunciar é tão fácil e simples quanto elaborar uma petição de juntada de documentos. As condutas não são individualizadas na peça exordial. Além disso, muitos acreditam que o réu poderá provar sua inocência durante o processo, como se este – o processo – não fosse uma punição por si só.
Assim, proponho uma análise já iniciada por Carnelutti no seu livro “As misérias do processo penal”: de fato, a absolvição aponta uma injustiça manifestada pela denúncia. Aliás, essa tortura processual pode durar mais do que eventual pena.
Quando alguém é processado e, ao final, condenado, diante de provas suficientes que demonstrem a autoria e a materialidade, tem-se a justiça dessa decisão.
Ao contrário, quando um indivíduo é processado e, na sentença, absolvido, a decisão é justa, mas o seu precedente (a persecução criminal, do inquérito ao encerramento da instrução processual) é injusto. Processa-se para reconhecer que alguém é inocente.
Carnelutti (2009, p. 66) pontuou muito bem a questão:
Infelizmente, a justiça humana está feita de tal maneira que não somente se faz sofrer os homens porque são culpados, senão também para saber se são culpados ou inocentes. Esta é, infelizmente, uma necessidade, à qual o processo não pode se subtrair, nem sequer se seu mecanismo fosse humanamente perfeito. Santo Agostinho escreveu a este respeito uma de suas páginas imortais; a tortura, nas formas mais cruéis, foi abolida, ao menos no papel; mas o próprio processo é uma tortura.
Claramente, há casos que não deveriam prolongar-se até a sentença. Por que constranger alguém por tanto tempo?
Para minorar essa injustiça – o processo penal com final absolutório –, o Delegado de Polícia deveria ter mair independência para reconhecer a aplicação do princípio da insignificância, por exemplo. Infelizmente, fatos recentes demonstraram que há um receio de outras instituições, razão pela qual alguns consideram indevidamente que isso seria uma violação de dever funcional ou um ato de improbidade administrativa por parte do Delegado.
Processar alguém que, ao final, é absolvido consiste em injustiça? Ou se trata de justiça tardia, haja vista que a sentença corrige a injustiça perpetrada pelo órgão acusador? Há quem diga que justiça tardia é injustiça. A justiça pressupõe sua observância contemporânea.
Também há quem diga que a justiça tarda, mas não falha. Sabemos que a duração razoável do processo é desrespeitada reiteradamente, mas, se a justiça não falha – apesar de tardar –, por que existiriam os recursos e a revisão criminal?
De qualquer forma, é preciso ter mais responsabilidade, seja no oferecimento da denúncia, seja no seu recebimento. A injustiça não ocorre apenas quando um inocente é equivocadamente condenado, mas também quando alguém é denunciado de forma irresponsável pelo Ministério Público e, após a tortura processual, tem sua inocência declarada.
REFERÊNCIA:
CARNELUTTI, Francesco. As misérias do processo penal. Trad. Carlos Eduardo Trevelin Millan. São Paulo: Editora Pilares, 2009.