A conversão das penas restritivas de direito em pena privativa de liberdade sem o esgotamento dos meios ordinários para localização do réu
Texto escrito em coautoria com Jeferson Freitas Luz, Graduando em Direito na Faculdade Dom Alberto/RS e estagiário da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul.
Inicialmente, é necessário mencionar que, em síntese, a pena privativa de liberdade (PPL) é substituída por pena restritiva de direitos (PRD) quando presentes os requisitos do art. 44 do Código Penal.
Da análise do referido artigo, percebe-se que a pena restritiva de direitos é um meio pelo qual o legislador pretendeu evitar o encarceramento quando a pena aplicada for inferior a 4 anos, o delito for praticado sem violência ou grave ameaça à pessoa, o agente não for reincidente em crime doloso e quando as circunstâncias indicarem ser a pena restritiva de direito suficiente.
Na prática, mostra-se como um importante meio para aqueles sentenciados que nunca tiveram contato com a máquina penal e praticaram um pequeno delito (receptação culposa, por exemplo). Trata-se de um benefício favorável ao réu, sem que lhe seja imposta a reprimenda estatal pela prática de uma infração penal. Em outras palavras, é uma pena, mas cumprida fora do cárcere.
Feitas as considerações iniciais, suponhamos três situações fáticas:
Primeira:
Suárez é condenado como incurso nas sanções do artigo 12 da Lei 10.826 (posse de arma), sendo a pena privativa de liberdade substituída por penas restritivas de direitos, visto que preenchidos os requisitos legais. O sentenciado interpõe o recurso de apelação. Todavia, a sentença é mantida. Assim, os autos retornam à comarca de origem. Expede-se o mandado para que o réu dê início ao cumprimento da pena. Entretanto, ele não é localizado no endereço que consta nos autos. Assim, o Ministério Público requer a conversão da PRD em PPL, sendo os autos encaminhados com vistas à defesa para que se manifeste. Qual deve ser a alegação defensiva?
Segunda:
Betina é condenada pelo delito de injúria. Assim como Suárez, o recurso é desprovido, e a ré não é localizada para dar início ao cumprimento da pena por ter mudado de endereço. O MP requer a conversão da PRD em PPL e o julgador acolhe o pedido, sendo a ré presa. Quais são as medidas que devem ser tomadas pela defesa?
Terceira:
Roberto é condenado pela prática de apropriação indébita e dá início ao cumprimento da pena restritiva de direitos consistente em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária. Todavia, cumpre-a somente parcialmente. Desse modo, qual deve ser o procedimento a ser requerido pelo Parquet e tomado pelo Juízo?
No primeiro caso, deve-se apresentar contraditório, aduzindo ser prematura a alegação do MP, visto que tal procedimento afronta os princípios do contraditório e ampla defesa, acrescentando outros aspectos, como os relatados abaixo.
No segundo, deve-se interpor agravo em execução (artigo 197 da LEP), somado à impetração de habeas corpus. Por que devem ser os dois? Porque a jurisprudência tem restringido a admissibilidade de habeas corpus quando há outro recurso cabível. Assim, o aconselhado é interpor o agravo para o caso de o HC não ser conhecido. Todavia, não se pode deixar de impetrar o habeas corpus, porquanto há evidente constrangimento ilegal, considerando que foram feridos os princípios constitucionais. Nesse sentido:
HABEAS CORPUS. PENA RESTRITIVA DE DIREITOS. CONVERSÃO. INTIMAÇÃO DO APENADO. AUSÊNCIA DE ESGOTAMENTO DOS MEIOS PARA SUA LOCALIZAÇÃO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. Não tendo sido oportunizado ao paciente justificar a ausência admonitória, tenho que deva ser desconstituída a decisão, ao efeito de renovar o ato. Precedentes. ORDEM CONCEDIDA. (Habeas Corpus Nº 70066178161, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rogerio Gesta Leal, Julgado em 17/09/2015)
Por fim, quanto ao terceiro caso, deve-se requerer seja designada audiência de justificação/admonitória, sendo o réu intimado para apresentar justificativa para o descumprimento. Muitas das vezes, deixa-se de cumprir a PSC por incompatibilidade do horário de trabalho ou outras circunstâncias alheias à vontade do apenado e que podem ser esclarecidas em audiência. Destarte, a referida solenidade pode possibilitar, inclusive, a readequação da forma de cumprimento da PRD.
Obviamente, foram respostas singelas que não esgotam o tema. Entretanto, há alegações a serem feitas nos três casos hipotéticos e que muito acontecem na prática forense diária.
É sabido por todos o caos em que se encontram os presídios brasileiros. Diariamente são veiculadas notícias sobre o tema, dispensando-se maiores ponderações.
Aliás, o próprio Supremo Tribunal Federal reconheceu o estado de coisas inconstitucional que vive o sistema penitenciário pátrio (ADPF 347). Inclusive, pode-se recorrer à súmula vinculante nº 56, no sentido de que a falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso.
Da mesma forma que nos casos hipotéticos, é comum que as PRDs sejam aplicadas em condenações com regime inicial aberto. Ademais, quase não temos estabelecimentos adequados (casa de albergado) para o cumprimento de penas nesse regime. Assim sendo, considerando que a conversão produziria uma consequência extremamente danosa ao apenado – submissão à pena privativa de liberdade em provável estabelecimento diverso do legalmente previsto –, é desnecessária e ilegal a conversão da pena restritiva de direitos, ao menos sem o esgotamento de alternativas menos gravosas.
Acerca da necessidade de esgotamento dos meios menos onerosos, tem-se que não basta a mudança de endereço para que se converta a PRD em PPL. Ora, não são raras as vezes em que o processo fica mais de um ano no Tribunal aguardando o julgamento do recurso, sendo, portanto, possível que o acusado mude de endereço nesse período.
A medida mais adequada, portanto, é a busca pelo endereço do acusado por meio de pesquisas em listas oficiais disponíveis nos sistemas, inclusive aquelas que podem ser acessadas pelo Ministério Público. Também é imprescindível a expedição de ofícios a instituições e órgãos públicos (TRE, INSS, Receita Federal etc.), assim como a empresas de telefonia e energia elétrica. Deve-se ter como desiderato a localização do réu para que se (r)estabeleça o cumprimento da pena restritiva de direitos.
Pelo exposto, conclui-se que é indispensável que o sentenciado tenha ciência da sentença transitada em julgado e que lhe seja possível cumprir a PRD imposta na decisão. Em tempos em que os presídios estão tomados por facções e que quase não há programas de ressocialização, não se mostra crível colocar nesses locais indivíduos que preencham os requisitos legais para o cumprimento da PRD. Assim, não se deve admitir a conversão em pena privativa de liberdade sem o esgotamento dos meios ordinários para localização do apenado.
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