Notícia publicada no site do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo no dia 01 de agosto de 2019 (leia aqui).
A cidade de Franca, importante centro econômico do interior paulista com 360 mil habitantes, foi palco de um célebre episódio denominado Anselmada, em 1838. A insurreição teve três invasões e triunfou por alguns meses, com o capitão Anselmo Ferreira de Barcellos, líder da sedição, chegando a se instalar como protetor maior e defensor oficial do povo, em 9 de novembro daquele ano.
É um crime desse movimento sedicioso que está registrado naquele que é conhecido como o processo mais famoso de Franca, o feito de número 13 da comarca, com 180 anos de história. O documento trata do assassinato de Manoel Rodrigues Pombo, então juiz de Paz do 3º Distrito do Chapadão – hoje, a cidade de Cristais Paulista – no município da Villa Franca do Imperador, pelo Capitão Anselmo.
A vítima foi encarregada de promover a ação penal contra os líderes da rebelião e deu ordem de prisão a Anselmo. Acredita-se que o homicídio tenha ocorrido em 6/11/1838, conforme descrito pelo juiz e historiador, Carlos Alberto Bastos de Matos*.
“Com a atropelada carreira das autoridades, que preferiram desaparecer para sertões mais seguros, ainda que menos belos, e a consequente desativação do Paço da Legalidade, viu-se Manoel Rodrigues Pombo em embaraçosa situação, com sete filhos pequenos e com sua loja, único sustento dos seus.
Imprudentemente, (…) Pombo acreditou poder conseguir do Capitão uma paz em separado e foi à Borda da Mata no dia 6 de novembro.
Nem bem chegado à fazenda de José Barcellos Ferreira, irmão de Anselmo, ali apareceu o Capitão, levando-o à força em seu cavalo de volta à estrada.
Nunca mais Rodrigues Pombo foi visto com vida. Três dias depois, num buraco ao lado do caminho, num lugar chamado “Vendinha”, foi encontrado seu corpo, putrefato e sem orelhas.” (1)
A acusação foi de infração ao artigo 192 do Código Criminal do Império. “O processo está no fórum de Franca, mas sua conservação já sofre com o tempo, não é possível a visita nem o manuseio do público, mas pretendo enviá-lo ao Museu do TJSP”, revela o juiz diretor do fórum, José Rodrigues Arimatéa.
Entenda
No período da Regência do Brasil Imperial (1831–1840), marcado por agitações políticas e disputas de poder, o município de Villa Franca do Imperador não passou imune a essas perturbações.
A motivação principal da Anselmada (1838) foi a divergência de senhores de terra, que até então ocupavam os cargos judiciários da região, com os novos governantes de Franca. A classe dirigente ascendente era representada pelo prefeito escolhido pelo presidente da Província de São Paulo e vereadores liberais eleitos em 7/9/1836, um grupo de negociantes estabelecidos na zona urbana que conseguiu o comando da Câmara da Vila, entre eles Manoel Rodrigues Pombo.
Os novos mandatários, assenhorados da coletoria dos postos judiciários, desalojaram a elite ruralista de tais funções – como o Capitão Anselmo, prestigioso dono de terras na região – dando início a sérias desavenças entre os dois grupos, o que culminaria na rebelião.
Pelos liberais da época, Anselmo foi descrito como um “assassino afamado, um tigre no comando de malfeitores, degolando dezenas de vítimas” (2). Já os conservadores acusaram a bancada liberal de “protector, senão complice” do Capitão (3). A sedição foi sufocada e, então, Franca passou a ser sede de uma Comarca e possuir um juiz de Direito, pela lei provincial nº 7, de 14/3/1839.
Nos dias 9 e 15/11 do mesmo ano, Anselmo e alguns de seus aliados foram julgados em Batatais, município vizinho a Franca, sob a alegação de que a apreciação do júri fosse imparcial. Todos foram absolvidos dos crimes de sedição e homicídio.
*Nascido no Rio de Janeiro em 1946, Carlos Alberto Bastos de Matos foi delegado de Polícia em Barretos (1976 a 1978) e promotor de Justiça em Pacaembu (1978 a 1980). Ingressou na Magistratura em 1980 e foi juiz de Patrocínio Paulista de 1982 até se aposentar, em 1999. Faleceu em agosto de 2004. Em 15/6/15, foi realizada solenidade que atribuiu o nome de “Juiz Carlos Alberto Bastos de Matos” ao fórum da Comarca de Patrocínio Paulista.
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