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Evinis Talon

TJ/RS: A simples exigência de valores para que o veículo objeto de subtração fosse recuperado não é suficiente à configuração do art. 158 do CP

29/06/2019

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Decisão proferida pelo Quarto Grupo de Câmaras Criminais do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, na Apelação nº 70068815141, julgada em 23/09/2016 (leia a íntegra do acórdão).

Confira a ementa:

EMBARGOS INFRINGENTES. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. EXTORSÃO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. POSSIBILIDADE. A simples exigência de valores para que o veículo objeto de subtração anterior fosse recuperado, sob pena de não ocorrer a devolução, embora seja eticamente reprovável, não se mostra suficiente à configuração da elementar do art. 158 do CP. Embargos infringentes acolhidos. Por maioria. (Embargos Infringentes e de Nulidade Nº 70068815141, Quarto Grupo de Câmaras Criminais, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jucelana Lurdes Pereira dos Santos, Julgado em 23/09/2016)

Leia a íntegra do voto:

VOTOS

Des.ª Jucelana Lurdes Pereira dos Santos (RELATORA)

A controvérsia reside na tipicidade do 2º fato, assim descrito na denúncia (fl. 03):

2º FATO:

Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, o denunciado, Volmar José Fontana Vieira, mediante grave ameaça, e com intuito de obter para si indevida vantagem econômica, constrangeu a vítima Luciano Miranda a fazer alguma coisa, ou seja, a entregar a importância de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) em moeda corrente.

Na oportunidade, Luciano Miranda teve o seu automóvel furtado em Tapejara. A vítima procurou então o denunciado Volmar, que disse saber quem havia furtado o veículo e exigiu o valor de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) para que a vítima recuperasse o bem furtado. A vítima entregou então o dinheiro exigindo ao denunciado Volmar, no Posto de Combustíveis Coxilha, em Coxilha-RS, sendo que, na mesma noite, o automóvel foi ameaçado.

A grave ameaça consistiu no fato da vítima não mais recuperar seu veículo, caso não houvesse o pagamento.’

Ao analisar a matéria, a Desa. Isabel de Borba Lucas, prolatora do voto majoritário, manteve a condenação do réu, nos seguintes termos (fls. 155/156):

Inicialmente, deve ser rechaçada a alegação defensiva que põe em xeque a autoria delitiva, porquanto a vítima, tanto em sede policial (fls. 23/24), como em juízo (fls. 90/91), não teve dúvidas em esclarecer a identidade do agente com quem, após saber de anteriores negociações por ele realizadas, para devoluções de automóveis subtraídos, manteve contato a fim de recuperar seu veículo, subtraído, em via pública, dia 08/03/2008, oportunidade em que VOLMAR cobrou o valor de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) garantindo que o ofendido iria reaver o seu veículo (fl. 23). Assim, o envolvimento de VOLMAR com o fato narrado na exordial acusatória é induvidoso, cingindo-se os autos ao debate acerca da tipificação da conduta.

Aqui, ressalto que, embora anteriormente me filiasse ao entendimento de que, no crime de extorsão, as elementares da violência ou grave ameaça deveriam ser direcionadas à pessoa, de forma a incutir-lhe temor, constrangendo-a a entregar a vantagem pretendia pelo agente, alterei meu entendimento, após mais refletir sobre o tema, passando a amoldar ao crime previsto no artigo 158 do CP também aquelas condutas onde o constrangimento é direcionado à pessoa, embora as ameaças digam respeito ao patrimônio desta. É este o caso dos autos.

Em verdade, casos como o dos autos devem ter definição casuística, já que há uma tênue divisão entre a atipicidade da conduta de solicitar valor para informar/devolver o bem e a de constranger a vítima, mediante grave ameaça. A depender da maneira como realizado o constrangimento, é viável que ultrapasse a mera esfera patrimonial e, de algum modo, traga abalo e sofrimento psicológico à vítima, amoldando-se ao tipo penal do artigo 158 do CP.

Ressalto que o tipo penal em discussão não traz nenhuma ressalva ou determinação de que a elementar grave ameaça tenha de ter relação com a integridade física ou moral da vítima, ou de outra pessoa, e não com seu patrimônio, sendo viável inferir-se que tal elementar tenha de ser dirigida à pessoa da vítima, sujeito passivo do crime, de quem se almeja obter vantagem indevida, mediante temor nela incutido, sem se restringir à sua integridade física ou moral, podendo alcançar, portanto, seu patrimônio. No ponto, por se tratar de julgado paradigmático, reproduzo entendimento exarado pelo Superior Tribunal de Justiça, em que este entendimento, ao qual me filio, vem sendo acolhido: […]

O fato de o inquérito policial relativo a este processo ter sido, inicialmente, arquivado por falta de provas, não tem o condão de tornar dúbios os elementos probatórios produzidos posteriormente, mormente porque a investigação preliminar destes autos iniciou-se com o registro do furto do automóvel (boletim de ocorrência da fl. 07), recuperado quatro dias após (boletins de ocorrência das fls. 10 e 11), sem que tenha sido produzido qualquer elemento de convicção quanto à subtração. Entretanto, paralelo a isto, havia em tramitação outros inquéritos, que apuravam os crimes de associação criminosa, furto e extorsão, perpetrados dentro de um mesmo contexto, conforme se observa do relatório das fls. 31/47, culminando na reinquirição da vítima, agora sobre eventual extorsão de que tenha sido alvo, oportunidade em que narrou ter procurado o réu, que lhe exigiu a quantia de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), para recuperação de seu automóvel, ensejando o oferecimento da presente denúncia.

Destarte, como o réu incutiu temor na vítima, no sentido de que se ela não fizesse o pagamento não ia mais ver o seu carro (fl. 91), obtendo vantagem indevida com tal conduta, tipificou-se o crime previsto no artigo 158, caput, do CP, mantendo-se a condenação, como exarada na origem.

Em contrapartida, o Des. Dálvio Leite Dias Teixeira absolveu o réu, entendendo que (fls. 157/v):

No que concerne à tipificação da conduta delitiva, não identifico, na ação imputada ao réu, importante elementar do delito de extorsão – o emprego de violência ou grave ameaça à pessoa. Isso porque a mera exigência de dinheiro para a restituição do veículo anteriormente subtraído da vítima, desvinculada de qualquer meio de intimidação capaz de criar fundado receio de iminente e grave mal, físico ou moral, à sua pessoa ou a algum familiar, não se amolda ao delito previsto no artigo 158 do CP. Com efeito, nada mais grave poderia ocorrer, senão a já operada privação do bem.

Segundo consta da inicial acusatória, a vítima procurou o denunciado, que disse saber quem havia furtado o veículo, quando então lhe fora exigida a quantia de R$ 4.000,00 para a recuperação do bem.

E dos termos de seu depoimento, infere-se que o lesado procurou espontaneamente o denunciado e com ele combinou um encontro em um domingo pela manhã, oportunidade em que acertaram a quantia de R$ 4.000,00 para reaver o bem. E, após o pagamento, o veículo “apareceu ali na perimetral”. Insta salientar que o próprio lesado negou ter se sentido ameaçado, temendo apenas a não recuperação do automóvel (fls. 90/91).

E não há nos autos qualquer outro elemento a demonstrar que a vítima tenha se sido ameaçada em sua integridade física ou moral. Pelo contrário, percebe-se que, sem perder o controle da situação, o lesado teve tranqüilidade suficiente para procurar o indivíduo que sabia ter conhecimento do paradeiro do bem, dando início às negociações para reavê-lo.

Saliento que se encontra bastante controvertida na jurisprudência a questão relativa à classificação jurídica da conduta de contatar recente vítima de crime com subtração patrimonial consumada a fim de propor-lhe o resgate de seu bem mediante o pagamento de certa quantia em dinheiro. Na maioria dos casos, o Ministério Público vem capitulando esses fatos como extorsão. Ocorre, contudo, que esta oferta de resgate do bem subtraído, nem sempre vem acompanhada do emprego de violência ou grave ameaça à pessoa, o que implica a redefinição jurídica do fato pelo Julgador, pelo emprego dos institutos da emendatio libelli e da mutatio libelli. E nessas hipóteses em que se confere a essa conduta uma capitulação distinta, tem sido freqüente a classificação do fato como receptação. Importante notar, contudo, que, mais uma vez, nem sempre esta oferta de resgate do bem subtraído traz em si a aquisição, o recebimento, o transporte, a condução ou a ocultação, da coisa sabidamente ilícita.

Na realidade, este contexto revela importante lacuna na legislação penal pátria, considerando a mais atual realidade criminosa no país, pois, não obstante a certeza quanto à danosidade social deste fato e de sua contrariedade ao ordenamento jurídico, dada a clara violação a bens jurídicos tutelados, não há previsão típica que a ele se amolde (quando não empregada a violência ou grave ameaça a pessoa e quando não praticada nenhuma ação nuclear do tipo de receptação e a descrição do elemento subjetivo do tipo). Cuida-se, portanto, de exemplo de fato da vida penalmente relevante, mas não individualizado pelo legislador na lei penal.

A meu ver, a simples exigência de valores para que o veículo objeto de subtração anterior fosse recuperado, sob pena de não ocorrer a devolução, embora seja eticamente reprovável, não se mostra suficiente à configuração da elementar do art. 158 do CP.

Isso porque a perda patrimonial já estava concretizada pelo crime precedente, havendo apenas a possibilidade de eventual restituição do bem (reduzindo-se o dano ao patrimônio), inexistindo qualquer intimidação capaz de criar fundado receio de mal grave e iminente, físico ou moral, à pessoa do ofendido ou a algum familiar, no pedido de resgate, nada mais podendo ocorrer, senão a já operada privação do bem.

No caso em análise, o ofendido é expresso ao afirmar que não sofreu ameaça para reaver o veículo (fl. 91), apenas o réu lhe disse que para o carro aparecer ele deveria pagar R$4.000,00, ele pagou e o veículo apareceu (fl. 90).

Por óbvio que se trata de uma negociação ilícita, mas que contou com adesão voluntária da vítima, logo, constitui-se forma incomum de exaurimento de subtração.

Como reforço de argumentação, colaciono precedentes dos órgãos fracionários integrantes do 4º Grupo Criminal:

[…] Para a configuração do crime de extorsão não basta que tenha ocorrido o emprego de ameaça contra o bem pertencente à vítima – e utilizado a fim de obter-se a indevida vantagem econômica. A “grave ameaça” exigida pelo tipo penal em comento é aquela direcionada contra a pessoa, capaz de causar mal sério e verossímil. No caso dos autos, a única ameaça proferida foi de que se não fosse pago o “resgate” pela motocicleta anteriormente subtraída, o veículo seria desmontado, hipótese que não configura o crime de extorsão. […] APELAÇÕES DESPROVIDAS. (Apelação Crime Nº 70047163910, Sétima Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Conrado Kurtz de Souza, Julgado em 18/12/2012). (grifei)

APELAÇÃO CRIME. EXTORSÃO. ÉDITO ABSOLUTÓRIO. MANUTENÇÃO. ELEMENTAR DO TIPO NÃO CONFIGURADA. Hipótese em que o acusado, por telefone, solicitou a entrega de quantia em dinheiro para que o lesado reouvesse o automóvel que lhe fora furtado. Tratativas para a recuperação do automotor que foram feitas apenas com agente de segurança pública, que se fazia passar pelo ofendido. Denunciado que, em nenhum momento, ameaçou o ofendido, seja sua integridade física ou de seus familiares, seja de destruir o bem caso não fosse pago o resgate. A única certeza que se tem é de que tão somente a restituição do automotor surrupiado estava condicionada à entrega de valor em dinheiro. Elementar do delito de extorsão não configurada. Princípio do in dubio pro reo. Sentença absolutória mantida. Art. 386, VII do CPP. APELAÇÃO IMPROVIDA. (Apelação Crime Nº 70045093663, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Fabianne Breton Baisch, Julgado em 25/04/2012). (grifei)

Assim, voto no sentido de acolher os embargos infringentes, para absolver o réu em relação ao 2º fato descrito na denúncia, com base no art. 386, inc. III, do CPP.

É o voto.

Des. Carlos Alberto Etcheverry (PRESIDENTE E REVISOR) – De acordo com o(a) Relator(a).

Des.ª Isabel de Borba Lucas

Estou divergindo, data vênia, da eminente relatora, para desacolher os embargos infringentes, na forma de meu voto, na apelação.

Des. Dálvio Leite Dias Teixeira

Voto em ACOLHER os embargos infringentes, confirmando a decisão que proferi por ocasião do julgamento da apelação.

Des. José Antônio Daltoé Cezar

Acompanho a eminente Relatora.

Des.ª Naele Ochoa Piazzeta

Divergindo da Eminente Relatora, mantenho a condenação nos termos proclamados pela maioria quando do julgamento do recurso de apelação, de modo que desacolho os embargos infringentes.

DES. CARLOS ALBERTO ETCHEVERRY – Presidente – Embargos Infringentes e de Nulidade nº 70068815141, Comarca de Tapejara: “por maioria, ACOLHERAM OS EMBARGOS INFRINGENTES, PARA ABSOLVER O RÉU EM RELAÇÃO AO 2º FATO DESCRITO NA DENÚNCIA, COM BASE NO ART. 386, INC. III, DO CPP, vencidas as desas. isabel e naele que os desacolhiam.”

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Evinis Talon é Advogado Criminalista com atuação no Brasil inteiro, com 12 anos de experiência na defesa penal, professor de cursos de mestrado e doutorado com experiência de 11 anos na docência, Doutor em Direito Penal pelo Centro de Estudios de Posgrado (México), Doutorando pela Universidade do Minho (Portugal – aprovado em 1º lugar), Mestre em Direito (UNISC), Máster en Derecho Penal (Universidade de Sevilha), Máster en Derecho Penitenciario (Universidade de Barcelona), Máster en Derecho Probatorio (Universidade de Barcelona), Máster en Derechos Fundamentales (Universidade Carlos III de Madrid), Máster en Política Criminal (Universidade de Salamanca), especialista em Direito Penal, Processo Penal, Direito Constitucional, Filosofia e Sociologia, autor de 7 livros, ex-Defensor Público do Rio Grande do Sul (2012-2015, pedindo exoneração para advogar. Aprovado em todas as fases durante a graduação), palestrante que já participou de eventos em 3 continentes e investigador do Centro de Investigação em Justiça e Governação (JusGov) de Portugal. Citado na jurisprudência de vários tribunais, como TRF1, TJSP, TJPR, TJSC, TJGO, TJMG, TJSE e outros.

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