Decisão proferida pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça no AgRg no CC 118394/DF, julgado em julgado em 10/08/2016 (leia a íntegra do acórdão).
Confira a ementa:
PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CRIME DE AMEAÇA E CONTRAVENÇÃO DE PERTURBAÇÃO DA TRANQUILIDADE PRATICADOS POR MEIO DA INTERNET. INDÍCIOS DE TRANSNACIONALIDADE. INEXISTÊNCIA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. Hipótese em o conflito se estabeleceu em virtude de queixa-crime apresentada pelo fato de um suposto hacker enviar ameaças e manipular diversos adolescentes e pais de um mesmo ciclo de amizade e convivência, por meio de e-mails, Orkut, Twitter e Facebook. 2. A jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de que, embora se trate de crime praticado por meio da rede mundial de computadores, necessária se faz a existência de indícios mínimos de extraterritorialidade para que seja determinada a competência da Justiça Federal. A mera utilização da internet não basta, por si só, para caracterizar a transnacionalidade do delito. 3. In casu, não há, pelo menos neste momento processual, a presença de qualquer indício de transnacionalidade dos delitos apto a justificar a competência da Justiça Federal. 4. Agravo regimental não provido. (AgRg no CC 118.394/DF, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 10/08/2016, DJe 22/08/2016)
Leia a íntegra do voto:
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO RIBEIRO DANTAS (Relator):
Ao dirimir o conflito negativo de competência estabelecido neste caso, na linha da jurisprudência desta Corte, decidi da seguinte forma:
“Inicialmente registro que este conflito negativo de competência deve ser conhecido, porquanto se trata de incidente estabelecido entre juízes vinculados a tribunais diversos, nos termos do art. 105, I, d, da Constituição Federal, razão pela qual passo ao seu exame. Com efeito, o conflito se estabeleceu em virtude de queixa-crime apresentada pelo fato de um suposto hacker enviar ameaças e manipular diversos adolescentes e pais de um mesmo ciclo de amizade e convivência, por meio de e-mails, Orkut, Twitter e Facebook (e-STJ, fls. 141-144 e 154-174).
A jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de que, embora se trate de crime praticado por meio da rede mundial de computadores, necessária se faz a existência de indícios mínimos de extraterritorialidade, para que seja determinada a competência da Justiça Federal. De fato, a mera utilização da internet não basta, por si só, para caracterizar a transnacionalidade do delito. A conduta, para ser transnacional, deve ao menos ter potencialidade para ultrapassar os limites territoriais. Nesse sentido:
‘CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. ARTS. 241-A E 241-B DO ECA. CRIMES PRATICADOS POR MEIO DA INTERNET. INDÍCIOS DE TRANSNACIONALIDADE. INEXISTÊNCIA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. 1. Para firmar a competência da Justiça Federal, nos termos do art. 109, inciso V, da Constituição Federal, faz-se necessária a presença de indícios da transnacionalidade do crime previsto em tratados ou convenções internacionais, não bastando a potencialidade do dano internacional. 2. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo Estadual, o suscitante.’ (CC 127.419/GO, Rel. Ministro WALTER DE ALMEIDA GUILHERME [Desembargador convocado do TJ/SP], Rel. p/ Acórdão Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, TERCEIRA SEÇÃO, DJe 02/02/2015)
‘CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. PROCESSUAL PENAL. APURAÇÃO DO DELITO DO ART. 241-A DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. SUPOSTA VEICULAÇÃO DE IMAGENS DE PORNOGRAFIA INFANTIL PELA INTERNET. COMPETÊNCIA FIRMADA PELO LUGAR DA INFRAÇÃO. ART. 70 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. COMPETÊNCIA DE TERCEIRO JUÍZO, ESTRANHO AO CONFLITO. 1. A consumação do delito, que atualmente tem previsão no art. 241-A do Estatuto da Criança e do Adolescente, ‘ocorre no ato de publicação das imagens pedófilo-pornográficas, sendo indiferente a localização do provedor de acesso à rede mundial de computadores onde tais imagens encontram-se armazenadas, ou a sua efetiva visualização pelos usuários’ (CC 29.886/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 12/12/2007, DJ 01/02/2008, p. 427). 2. A conduta delituosa a ser apurada, na hipótese, refere-se à veiculação de imagens de menores aliciadas para exposição em cenas obscenas, via webcam, por meio do MSN/ORKUT e TWITTER, além de hackeamento e utilização do perfil de uma delas, fazendo-se o agente passar por esta, para comunicar-se com terceiros. 3. Ausentes indícios de transnacionalidade do crime, a tanto não servindo o mero meio internet, competente é o juízo estadual do local de indicada residência do suspeito, em Londrina/PR, na forma do art. 70 do Código de Processo Penal. 4. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da Vara Criminal da Comarca de Londrina – TJ/PR, juízo estranho ao conflito.’ (CC 136.257/PR, Rel. Min. NEFI CORDEIRO, TERCEIRA SEÇÃO, DJe 20/03/2015)
Ante o exposto, com fundamento no art. 955, parágrafo único, do Novo Código de Processo Civil c/c o art. 3º do Código de Processo Penal, conheço do conflito para declarar a competência do Juízo de Direito do Primeiro Juizado Especial Criminal de Brasília/DF, ora suscitado. Dê-se ciência ao Ministério Público Federal. Intimem-se. Publique-se. ” (e-STJ, fls. 315-317.)
Com efeito, esta Terceira Seção, no julgamento do CC 127.419/GO, reafirmou o seu entendimento de que, “para firmar tem a competência da Justiça Federal, nos termos do art. 109, inciso V, da Constituição Federal, faz-se necessária a presença de indícios da transnacionalidade do crime previsto em tratados ou convenções internacionais, não bastando a potencialidade do dano internacional”. Eis a ementa do julgado:
“CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. ARTS. 241-A E 241-B DO ECA. CRIMES PRATICADOS POR MEIO DA INTERNET. INDÍCIOS DE TRANSNACIONALIDADE. INEXISTÊNCIA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. 1. Para firmar a competência da Justiça Federal, nos termos do art. 109, inciso V, da Constituição Federal, faz-se necessária a presença de indícios da transnacionalidade do crime previsto em tratados ou convenções internacionais, não bastando a potencialidade do dano internacional. 2. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo Estadual, o suscitante.” (CC 127.419/GO, Relatora p/ acórdão Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, TERCEIRA SEÇÃO, DJe 2/2/2015.)
No caso em exame, o Juízo Federal suscitou o presente conflito, sob os seguintes fundamentos:
“6. Na hipótese vertente, trata-se da prática, em tese, de crime de ameaça (CP art. 147) e contravenção de perturbação da tranquilidade (LCP art. 65) cometidos contra menores de idade, cujo autor, supostamente, teria utilizado perfis das vítimas cadastrados nas redes sociais Orkut e MSN, na internet, para manter contatos espúrios com outros usuários de relacionamento destes. 7. Referida conduta não afeta direta e concretamente bens, serviços ou interesse da União, de suas autarquias ou empresas públicas, nem transborda os limites do território nacional, inexistindo, portanto, qualquer das hipóteses taxativamente previstas no artigo 109 da Constituição Federal. Nesse sentido, a mera utilização da internet para o cometimento de ilícitos penais não se presta, só por si, para atrair a competência da justiça Federal, ainda que o fato investigado esteja previsto no rol daqueles que por tratado ou convenção internacional o Brasil tenha se obrigado a reprimir, à míngua da transnacionalidade delitiva. 8. Cumpre anotar, por oportuno, que a conduta que se busca esclarecer está atrelada, indissociavelmente, à contravenção penal de perturbação da tranquilidade (LCP art. 65), para a qual a competência da justiça Federal foi explicitamente excluída no texto constitucional (CF art. 109, IV), além de haver a suspeita de que o autor do fato seja, assim como as vítimas, menor de idade, o que atrairia o julgamento do ato infracional ao Juízo da Adolescência.” (e-STJ, fls. 276-277.)
Como se vê, não há, pelo menos neste momento processual, a presença de qualquer indício de transnacionalidade dos delitos apto a justificar a competência da Justiça Federal.
Ademais, como bem pontuou o Juízo Federal, existe a suspeita de que o autor dos fatos também seja menor de idade, o que afastaria a competência da Justiça Federal.
Mantenho, portanto, a decisão pelos seus próprios fundamentos.
À vista do exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É como voto.
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