Decisão proferida pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal no HC 114315, julgado em 15/09/2015 (leia a íntegra do acórdão).
Confira a ementa:
HABEAS CORPUS. PENAL. CONTRABANDO. INTERNAÇÃO DE PRODUTO TAXATIVAMENTE PROIBIDO EM TERRITÓRIO NACIONAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. REPROVABILIDADE DA CONDUTA. NÃO INCIDÊNCIA. ORDEM DENEGADA. 1. Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, para se caracterizar hipótese de aplicação do denominado “princípio da insignificância” e, assim, afastar a recriminação penal, é indispensável que a conduta do agente seja marcada por ofensividade mínima ao bem jurídico tutelado, reduzido grau de reprovabilidade, inexpressividade da lesão e nenhuma periculosidade social. 2. Nesse sentido, a aferição da insignificância como requisito negativo da tipicidade envolve um juízo de tipicidade conglobante, muito mais abrangente que a simples expressão do resultado da conduta. Importa investigar o desvalor da ação criminosa em seu sentido amplo, de modo a impedir que, a pretexto da insignificância apenas do resultado material, acabe desvirtuado o objetivo a que visou o legislador quando formulou a tipificação legal. Assim, há de se considerar que “a insignificância só pode surgir à luz da finalidade geral que dá sentido à ordem normativa” (Zaffaroni), levando em conta também que o próprio legislador já considerou hipóteses de irrelevância penal, por ele erigidas, não para excluir a tipicidade, mas para mitigar a pena ou a persecução penal. 3. Assim, por menor que possa ter sido o resultado da lesão patrimonial, a definição da insignificância não descarta a análise dos demais elementos do tipo penal. O contrabando, delito aqui imputado ao paciente, é figura típica cuja objetividade jurídico-penal abrange não só a proteção econômico-estatal, mas em igual medida interesses de outra ordem, tais como a saúde, a segurança pública e a moralidade pública (na repressão à importação de mercadorias proibidas), bem como a indústria nacional, que se protege com a barreira alfandegária. 4. O caso envolve a prática do crime de contrabando de veículo usado, comportamento dotado de intenso grau de reprovabilidade, dados os bens jurídicos envolvidos, o que impede a aplicação do princípio da insignificância. 5. Ordem denegada. (HC 114315, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 15/09/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-018 DIVULG 29-01-2016 PUBLIC 01-02-2016)
Confira a íntegra do voto:
VOTO
O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI (RELATOR):
Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, para se caracterizar hipótese de aplicação do denominado princípio da insignificância e, assim, afastar a recriminação penal, é indispensável que a conduta do agente seja marcada por ofensividade mínima ao bem jurídico tutelado, reduzido grau de reprovabilidade, inexpressividade da lesão e nenhuma periculosidade social.
Nesse sentido, a aferição da insignificância como requisito negativo da tipicidade envolve um juízo de tipicidade conglobante, muito mais abrangente que a simples expressão do resultado da conduta. Importa investigar o desvalor da ação criminosa em seu sentido amplo, de modo a impedir que, a pretexto da insignificância apenas do resultado material, acabe desvirtuado o objetivo a que visou o legislador quando formulou a tipificação legal. Assim, há de se considerar que a insignificância só pode surgir à luz da finalidade geral que dá sentido à ordem normativa (Zaffaroni), levando em conta também que o próprio legislador já considerou hipóteses de irrelevância penal, por ele erigidas, não para excluir a tipicidade, mas para mitigar a pena ou a persecução penal.
Realmente, por menor que possa ter sido o resultado da lesão patrimonial, a definição da insignificância não descarta a análise dos demais elementos do tipo penal. O contrabando, delito aqui imputado ao paciente, é figura típica cuja objetividade jurídico-penal abrange não só a proteção econômico-estatal, mas em igual medida interesses de outra ordem, tais como a saúde, a segurança pública e a moralidade pública (na repressão à importação de mercadorias proibidas), bem como a indústria nacional, que se protege com a barreira alfandegária (cf. Heleno C. Fragoso. Lições de Direito Penal. 2. ed. Rio de Janeiro: José Bushatsky, 1962, v. 2, p. 978). Justamente por alcançar, precipuamente, o controle das importações de determinadas mercadorias pela União, é impertinente a invocação do princípio da insignificância a partir de premissas relacionadas ao crime de descaminho, ou seja, ao valor do imposto supostamente iludido.
Eis, a propósito, o registro do Superior Tribunal de Justiça:
“Veja-se que restou definido por esta Corte Superior, seguindo orientação do Supremo Tribunal Federal, que o valor a ser utilizado como parâmetro para aplicação do princípio da insignificância ao CRIME DE DESCAMINHO é o previsto no art. 20 da Lei 10.522/02, ou seja, tributo devido em quantia igual ou inferior a R$10.000,00 (dez mil reais) . Entretanto, in casu, não se cuida de “iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, saída ou pelo consumo de mercadoria”, conduta tipificada na segunda figura do art. 334 do CP e reconhecida como descaminho. Perquirida em ação penal a conduta de “importar ou exportar mercadoria proibida”, não havendo falar em ilusão de tributo ao crime de contrabando . Logo, a insignificância da conduta daquele que pratica descaminho, sob o viés do valor do tributo iludido (no máximo 10 mil reais), não encontra campo de aplicação ao crime do art. 334, primeira figura, do CP. Certamente, não se desconhece a existência de precedentes que aplicam o princípio bagatelar ao crime do art. 334 do CP (contrabando/descaminho), impropriedade, todavia, decorrente da previsão de 2 condutas típicas distintas estabelecidas no mesmo dispositivo legal. Assim, merece reforma o aresto recorrido, ante a violação a lei federal, para ser afastado o princípio da insignificância sob o enfoque abordado (limite de 10 mil reais).
O que se imputa aos pacientes, cidadãos uruguaios, é a prática do crime de contrabando, descrito na primeira figura do art. 334 do Código Penal, por haverem ingressado em território nacional com veículos usados, de origem estrangeira, em desacordo com a legislação pátria. Conforme detalha o Ministério Público Federal, “há norma proibitiva da importação de veículos usados, qual seja, a Portaria nº 8, de 13 de maio de 1991, do Departamento de Comércio Exterior, a qual, como decidido pelo Supremo Tribunal Federal não afronta os princípios da isonomia e da legalidade, vez que decorre de competência atribuída pelo próprio artigo 237 da Constituição Federal”.
Registre-se, ademais, excertos extraídos da sentença condenatória:
“(…) no caso do réu Nelson, foram duas as oportunidades em que flagrado nas mesmas condições pela fiscalização, sendo curto o intervalo de tempo entre a primeira e a segunda autuação. Com relação ao réu Javier, a representação fiscal ressaltou que, em consulta aos seus registros, havia outro auto de infração lavrado contra o mesmo, por idêntico fato, no ano de 2004. (…) considero bem caracterizado o dolo exigido pelo delito em comento na conduta dos réus”.
Portanto, considerando a ofensividade a interesses caros ao Estado é que, no particular, revela-se reprovável a conduta dos pacientes, impossibilitando a incidência do denominado princípio da insignificância. Em casos semelhantes, essa foi a compreensão desta Suprema Corte, como se observa dos reiterados precedentes:
“II – No caso sob exame, o paciente detinha a posse de cigarros de origem estrangeira, sem a documentação legal necessária. Como se sabe, essa é uma típica mercadoria trazida do exterior, sistematicamente, em pequenas quantidades, para abastecer um intenso comércio clandestino, extremamente nocivo para o País, seja do ponto de vista tributário, seja do ponto de vista da saúde pública. III – A análise dos autos revela a periculosidade do paciente, o que impede a aplicação do princípio da insignificância, em razão do alto grau de reprovabilidade do seu comportamento. IV – Ordem denegada” (HC 122029/PR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, Dje 30/05/2014).
“habeas corpus. Importação fraudulenta de cigarros. Contrabando. 1. A importação clandestina de cigarros estrangeiros caracteriza crime de contrabando e não de descaminho. Precedentes. 2. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal não admite a aplicação do princípio da insignificância ao delito de contrabando. 3. Habeas corpus denegado” (HC 120.550/PR, Rel. Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, Dje 13/02/2014).
“(…) 4. Impossibilidade de incidência, no contrabando de cigarros, do princípio da insignificância. Não é o valor material que se considera na espécie, mas os valores ético-jurídicos que o sistema normativo-penal resguarda. 5. Ordem denegada” (HC 118.359/PR, Rel. Min. Cármen Lúcia, Segunda Turma, Dje 10/11/2013).
“3. No crime de descaminho, o princípio da insignificância deve ser aplicado quando o valor do tributo sonegado for inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais), limite estabelecido no artigo 20 da Lei 10.522/02, na redação conferida pela Lei 11.033/04, para o arquivamento de execuções fiscais. Todavia, ainda que o quantum do tributo não recolhido aos cofres públicos seja inferior a este patamar, não é possível a aplicação do aludido princípio quando tratar-se de crime de contrabando, tendo vem vista que, neste delito, não há apenas uma lesão ao erário e à atividade arrecadatória do Estado, mas também a outros interesses públicos. Precedentes: HC 110.841, Segunda Turma, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJe de 14.12.12; HC 110.964, Segunda Turma, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJe de 02.04.12; HC 100.367, Primeira Turma, Relator o Ministro Luiz Fux, DJe de 08.09.11. 4. In casu, conforme decidido pelas instâncias precedentes, a conduta praticada pelo paciente – ingressar no território nacional com 585 (quinhentos e oitenta e cinco) litros de gasolina proveniente da Venezuela, sem recolher aos cofres públicos o respectivo tributo, com o finalidade de revenda – amolda-se ao tipo de contrabando, provocando, além da lesão ao erário, violação à “política pública no país na área de energia, onde são reguladas produção, refino, distribuição e venda de combustíveis derivados do petróleo”. 5. Destarte, em que pese o valor do tributo sonegado ser inferior ao limite estabelecido no artigo 20 da Lei 10.522/02, na redação conferida pela Lei 11.033/04, não é possível aplicar-se o princípio da insignificância, porquanto trata-se de crime de contrabando (…)” (HC 116.242/RR, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, Dje 17/09/2013).
“Habeas corpus. 2. Contrabando. 3. Aplicação do princípio da insignificância. 4. Impossibilidade. Desvalor da conduta do agente. 5. Ordem denegada” (HC 110964/SC, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, Dje 02/04/2012).
Ante o exposto, denego a ordem. É o voto.
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