Proibição do celular nos presídios x direito à comunicação do preso
O fornecimento, a posse e a utilização de aparelho telefônico nos estabelecimentos prisionais brasileiros são condutas que configuram falta grave, conforme o art. 50 da Lei de Execução Penal:
Art. 50. Comete falta grave o condenado à pena privativa de liberdade que: […]
VII – tiver em sua posse, utilizar ou fornecer aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo.
No entanto, como já referi em outro artigo (leia aqui), o reconhecimento de uma falta grave durante o cumprimento da pena se assemelha a uma nova pena (metapunição). Isso significa a perda de inúmeros direitos adquiridos durante a pena e a aplicação de várias consequências gravosas, como a regressão de regime, a perda de até 1/3 dos dias remidos e a alteração da data-base para a progressão de regime. Por isso, o tema merece reflexão.
Ocorre que, no que diz respeito à entrada de celulares nos presídios, é preciso questionar a constitucionalidade/legalidade/necessidade do dispositivo, que, em alguns casos, tem atingido situações absurdas, como ser destinatário de Sedex que contém aparelho telefônico (leia aqui). Normalmente, diante da previsão dessa falta grave, permanecemos omissos e silentes, como se a previsão legal impedisse qualquer questionamento sobre a adequação dessa proibição.
Afinal, a incomunicabilidade em relação ao mundo externo pode ser imposta indistintamente a todos os presos durante o cumprimento da pena privativa de liberdade?
Muitas considerações podem ser feitas sobre assunto. Sem pretender esgotar a controvérsia, traremos alguns pontos que merecem reflexão.
De início, é interessante observar que a utilização de celular é proibida somente durante a pena privativa de liberdade. Se um apenado sofre somente outro tipo de pena (multa ou restritiva de direitos), não haverá a proibição de que continue utilizando celular.
Além disso, durante a pena privativa de liberdade, o celular poderá ser utilizado fora do ambiente prisional, como no livramento condicional ou durante o período de trabalho externo ou saída temporária. Em suma, a proibição diz respeito apenas à utilização de celulares durante a pena privativa de liberdade e dentro de estabelecimentos prisionais.
Portanto, uma pena que deveria privar apenas a liberdade também priva a comunicação com o mundo externo.
De qualquer modo, a proibição genérica – aplicada indistintamente a todos os presos – ao uso de aparelho telefônico desrespeita o princípio da individualização da pena. Afinal, parte-se do pressuposto de que, na pena privativa de liberdade (que deveria privar somente a liberdade), haveria presos que usariam os aparelhos telefônicos para atividades ilícitas.
De certa forma, pune-se coletivamente (o que é proibido pela Lei de Execução Penal) como decorrência de uma possibilidade de que alguns presos pratiquem crimes por meio desses aparelhos, como se não existissem apenados em fase avançada de ressocialização e que apresentem mérito e disciplina condizentes com a liberação da comunicação com o mundo externo.
Ora, seria uma indevida equivalência entre presos que apresentem bom comportamento e apenados que tenham uma conduta reprovável no cárcere. Noutras palavras, essa proibição coletiva consiste em tratar igualmente os desiguais, o que é uma padronização da pena que não está em consonância com o princípio da individualização da pena.
Privar a comunicação dos presos com o mundo externo é impedir o contato com a família, que, quase sempre, auxiliaria na ressocialização dos apenados. Aliás, nos casos em que os apenados cumprem pena em estabelecimento distante do local em que moram os seus familiares, a comunicação por telefone seria uma forma efetiva de permitir esse convívio. Afinal, não se pode desconsiderar que os familiares da maioria dos presos são pobres, não tendo disponibilidade econômica para viagens semanais até a cidade em que ocorre o cumprimento da pena.
Ainda que seja necessária uma alteração legislativa para retirar o uso de celular do rol das faltas graves, é possível admitir, por exemplo, que, durante o procedimento administrativo disciplinar (PAD) para apurar a falta grave, seja apurada a finalidade do referido aparelho telefônico no interior do cárcere. Em determinados casos, o uso poderá ser admitido como justificável, como seria nas hipóteses em que o apenado utiliza o aparelho para se comunicar com familiares que não conseguem visitá-lo. Aliás, nessa hipótese, não apenas deveria ser improcedente a apuração da falta grave, mas também deveria ser algo digno de elogios, diante da preocupação do apenado com o convívio familiar, o que, como já foi dito, contribui significativamente para a sua ressocialização.
Destaca-se que, em muitos casos, o uso de aparelho telefônico seria o único meio de contato com os familiares que não têm condições de visitá-lo no estabelecimento prisional.
Por derradeiro, presumir que o celular será sempre utilizado para a prática de crimes é instituir uma equivocada presunção que desconsidera as peculiaridades de cada caso concreto.
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