STJ: não cabe condenação baseada em reconhecimento ilícito
No REsp 2.204.950-RJ, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), decidiu que “não é possível a condenação amparada em prova desconforme o procedimento de reconhecimento de pessoa, previsto no art. 226 do CPP, e não corroborada por elementos autônomos e independentes, suficientes, por si sós, para lastrear a autoria delitiva”.
Informações do inteiro teor:
Esta Corte Superior entendia, até 2020, que as prescrições contidas no art. 226 do Código de Processo Penal constituiriam “mera recomendação”, cujo descumprimento não ensejaria nulidade da prova.
Rompendo com essa posição jurisprudencial, a Sexta Turma deste Superior Tribunal, por ocasião do julgamento do HC 598.886/SC (Rel. Ministro Rogerio Schietti), realizado em 27/10/2020, estabeleceu a necessidade de se anular qualquer reconhecimento formal – pessoal ou fotográfico – que não siga estritamente o que determina o art. 226 do Código de Processo Penal.
No mesmo sentido, em julgamento concluído no dia 23/2/2022, a Segunda Turma da Suprema Corte reportou-se ao que o STJ decidiu no HC 598.886/SC e deu provimento ao RHC 206.846/SP (Rel. Ministro Gilmar Mendes), para absolver um indivíduo reconhecido por fotografia de maneira irregular.
Posteriormente, em 15/3/2022, a Sexta Turma do STJ, no julgamento do HC 712.781/RJ (Rel. Ministro Rogerio Schietti), decidiu que, mesmo se realizado em conformidade com o modelo legal, o reconhecimento pessoal, embora seja válido, não tem força probante absoluta, de sorte que não pode induzir, por si só, à certeza da autoria delitiva, em razão de sua fragilidade epistêmica; se, porém, realizado em desacordo com o rito previsto no art. 226 do CPP, o ato é totalmente inválido e não pode ser usado nem mesmo de forma suplementar, nem para lastrear outras decisões, ainda que de menor rigor quanto ao standard probatório exigido, tais como a decretação de prisão preventiva, o recebimento de denúncia e a pronúncia.
Pontuou-se, ainda, no referido julgado, que o reconhecimento de pessoas é prova cognitivamente irrepetível, porque o ato inicial afeta todos os subsequentes e a sua repetição, mesmo que em conformidade com o art. 226 do CPP, não convalida os vícios pretéritos.
Com o objetivo de minimizar erros judiciários decorrentes de reconhecimentos equivocados, a Resolução n. 484/2022 do CNJ incorporou os avanços científicos e jurisprudenciais sobre o tema e estabeleceu “diretrizes para a realização do reconhecimento de pessoas em procedimentos e processos criminais e sua avaliação no âmbito do Poder Judiciário” (art. 1º).
Mais recentemente, no julgamento do Tema Repetitivo 1258, a Terceira Seção do STJ consolidou os entendimentos sobre a matéria.
No julgamento do HC 769.783/RJ (Rel. Ministra Laurita Vaz, Terceira Seção, DJe 1º/6/2023), a Terceira Seção desta Corte, diante das diversas condenações injustas proferidas em desfavor do ora recorrente, porque oriundas de um inicial reconhecimento fotográfico feito em total desacordo com o que determina a lei, concederam a ordem, de ofício, “para determinar a soltura imediata do Paciente em relação a todos os processos, cabendo aos Juízos e Tribunais, nas ações em curso, e aos Juízos da Execução Penal, nas ações transitadas em julgado, aferirem se a dinâmica probatória é exatamente a mesma repelida nestes autos”.
O ora recorrente já foi absolvido em cinquenta e um processos; teve duas denúncias contra si rejeitadas e duas revisões criminais julgadas procedentes; bem como uma decisão de impronúncia por ausência de indícios suficientes de autoria delitiva.
No caso este é um dos mais de sessenta processos em que o ora recorrente figura como acusado.
A condenação do réu teve por base apenas o reconhecimento pessoal realizado sem observância do art. 226 do CPP, uma vez que exibidas apenas fotos do acusado e do corréu às vítimas em delegacia, o que está em manifesta contrariedade ao entendimento consolidado nesta Corte Superior.
Apesar de o ato de reconhecimento irregular haver sido repetido pessoalmente em juízo, sua repetição não convalida os vícios pretéritos. Isso porque não há dúvidas de que o reconhecimento inicial, que foi realizado em desconformidade com o disposto no art. 226 do CPP, afeta todos os subsequentes, uma vez que, conforme se assentou no julgamento do HC n. 712.781/RJ, o reconhecimento de pessoas é considerado como uma prova cognitivamente irrepetível.
Cumpre ressaltar que não se trata, no caso, de negar a validade integral do depoimento da vítima, mas sim de negar validade à condenação baseada apenas em reconhecimento colhido em desacordo com as regras probatórias.
Por fim, registre-se que é espantoso notar que, passados cinco anos do julgamento do HC 598.886 SC, pela Sexta Turma, em que se reverteu uma jurisprudência que considerava de segunda importância o cumprimento do artigo 226 do CPP, e mesmo com a Resolução n. 484/2022 do Conselho Nacional de Justiça, que regulamentou o tema, continuam-se as mesmas questões, já exaustivamente decididas em centenas de casos julgados pelas duas Turmas do Superior Tribunal de Justiça.
INFORMAÇÕES ADICIONAIS:
Legislação
Código de Processo Penal (CPP), art. 226.
Resolução n. 484/2022 do CNJ, art. 1º.
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Fonte: Informativo de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) – Edição nº 872, de 2 de dezembro de 2025 (leia aqui).
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