No dia 20 de novembro de 2017, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) aprovou uma nova súmula, de nº 599, com o seguinte teor: “”O princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a Administração Pública.”
Em artigo anterior, abordei brevemente como o STJ não aplica o princípio da insignificância ao crime de peculato (leia aqui). Agora, vamos aprofundar um pouco mais esse tema.
Quais são os crimes contra a Administração Pública?
Os crimes contra a Administração Pública estão no Título XI do Código Penal, indo do art. 312 até o art. 359-H. Essa classificação abrange, por exemplo, os crimes de peculato, corrupção ativa e passiva, contrabando, descaminho etc.
Em relação ao contrabando, a jurisprudência do STJ, como regra, entende não ser aplicável o princípio da insignificância, haja vista que esse tipo penal tem o desiderato de tutelar não apenas um bem jurídico patrimonial, mas também a segurança e a saúde.
Excepcionalmente, o STJ admite o princípio da insignificância em relação à importação não autorizada de pequena quantidade de medicamento para uso próprio (AgRg no REsp 1.572.314).
Também excepcionando essa súmula recentemente aprovada, o STJ tem entendimento de que cabe a aplicação do princípio da insignificância ao crime de descaminho, citando-se, por exemplo, o AgRg no REsp 1.538.629/RS, no qual a Quinta Turma do STJ demonstrou que o princípio da insignificância, para esse crime, teria o limite de R$ 10.000,00.
De qualquer forma, o entendimento sumulado – já aplicado pelo STJ há algum tempo – cria situações estranhas, como a possibilidade de um estagiário de um órgão público ser processado por peculato caso se aproprie de algumas folhas A4 ou de uma caneta da repartição.
Ademais, apropriar-se de 50 reais, praticando o crime de peculato, é mais reprovável que sonegar 8, 15 ou 19 mil reais?
Explico: o Supremo Tribunal Federal tem considerado, para a avaliação da insignificância, o patamar de R$ 20.000,00 previsto no art. 20 da Lei nº 10.522/2002, atualizado pelas Portarias nº 75 e nº 130/2012 do Ministério da Fazenda. Cita-se, por exemplo, o HC 126.191, que aplicou esse patamar ao crime de descaminho.
Assim, teríamos uma situação teratológica: nos crimes tributários, seria cabível a aplicação da insignificância até R$ 20.000,00. Por outro lado, se um funcionário público apenas subtraísse um grampeador da repartição pública, já praticaria o crime de peculato, sendo inviável a aplicação do princípio da insignificância.
Conquanto os crimes contra a Administração Pública protejam a moralidade administrativa – e não o patrimônio público –, é necessário perceber que algumas condutas não ofenderiam seriamente a moralidade. Em casos como a subtração ou apropriação de algumas folhas de papel ou de objetos de valor ínfimo, não haveria lesividade/ofensividade na conduta que justificasse a intervenção do Direito Penal.
Por derradeiro, há um julgado de 2012 em que a Segunda Turma do STF, por maioria, aplicou o princípio da insignificância a um crime contra a Administração Pública (peculato-furto), porque teria havido a apropriação de objeto avaliado em 13 reais. A decisão ficou assim ementada:
AÇÃO PENAL. Delito de peculato-furto. Apropriação, por carcereiro, de farol de milha que guarnecia motocicleta apreendida. Coisa estimada em treze reais. Res furtiva de valor insignificante. Periculosidade não considerável do agente. Circunstâncias relevantes. Crime de bagatela. Caracterização. Dano à probidade da administração. Irrelevância no caso. Aplicação do princípio da insignificância. Atipicidade reconhecida. Absolvição decretada. HC concedido para esse fim. Voto vencido. Verificada a objetiva insignificância jurídica do ato tido por delituoso, à luz das suas circunstâncias, deve o réu, em recurso ou habeas corpus, ser absolvido por atipicidade do comportamento.
(HC 112388, Relator: Min. Ricardo Lewandowski, Relator p/ Acórdão: Min. Cezar Peluso, Segunda Turma, julgado em 21/08/2012)