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Evinis Talon

O tráfico de drogas e o caso do lança-perfume

11/10/2017

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Leis penais em branco, também chamadas de leis cegas ou abertas, “são disposições cuja sanção é determinada, permanecendo indeterminado o seu conteúdo” (JESUS, 2013, p. 63). Em outras palavras, o preceito secundário (sanção) é devidamente previsto no tipo penal, mas falta a definição de algum elemento no que concerne ao preceito primário (descrição da conduta típica).

Um dos exemplos mais conhecidos de norma penal em branco é o art. 33 da Lei nº 11.343/06 (Lei de Drogas), que especifica os elementos do crime de tráfico:

Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena – reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

Os dezoito verbos previstos no tipo penal dependem, especialmente, da compreensão do conceito de drogas. Afinal, importar e exportar veículos, entregar a consumo álcool e trazer consigo um cigarro não são condutas criminosas – salvo situações específicas, como receptação de veículo ou contrabando de cigarros –, pois veículos, álcool e cigarros não se amoldam ao conceito de droga.

Para fins legais, as drogas são substâncias previstas na Portaria SVS/MS n. 344/98. Essa Portaria é um complemento do tipo penal.

Assim, o art. 33 da Lei de Drogas é uma norma penal em branco em sentido estrito (ou heterogênea), porque seu complemento tem natureza jurídica diversa e provêm de órgão distinto.

Uma questão extremamente curiosa diz respeito ao lança-perfume e à ocorrência de “abolitio criminis” temporária.

Inicialmente, a supracitada Portaria previa o cloreto de etila – substância ativa do lança-perfume – como substância entorpecente proibida.

Ocorre que, no dia 7 de dezembro de 2000, por meio da Resolução 104, houve, por equívoco, a retirada do cloreto de etila da mencionada lista. A substância foi novamente incluída no dia 15.

Chegou ao Supremo Tribunal Federal o HC 120.026, que analisava um caso envolvendo um homem que foi preso em flagrante no dia 12 de novembro de 2000 com 6 mil frascos de lança-perfume. Noutros termos, o fato teria ocorrido enquanto o cloreto de etila se encontrava na Portaria, mas antes de sua retirada temporária.

Por decisão monocrática do Ministro Celso de Mello, decidiu-se que ocorreu “abolitio criminis” temporária em relação ao cloreto de etila, isto é, a conduta deixou de ser considerada criminosa no que tange àqueles que praticaram o fato antes da retirada da substância da lista da Portaria. Logo, a alteração do complemento (Portaria n. 344/98) é suficiente para gerar a “abolitio criminis”.

Anteriormente, no HC 94.397, a Segunda Turma, de forma unânime, já havia decidido no mesmo sentido:

AÇÃO PENAL. Tráfico de entorpecentes. Comercialização de “lança-perfume”. Edição válida da Resolução ANVISA nº 104/2000. Retirada do cloreto de etila da lista de substâncias psicotrópicas de uso proscrito. Abolitio criminis. Republicação da Resolução. Irrelevância. Retroatividade da lei penal mais benéfica. HC concedido. A edição, por autoridade competente e de acordo com as disposições regimentais, da Resolução ANVISA nº 104, de 7/12/2000, retirou o cloreto de etila da lista de substâncias psicotrópicas de uso proscrito durante a sua vigência, tornando atípicos o uso e tráfico da substância até a nova edição da Resolução, e extinguindo a punibilidade dos fatos ocorridos antes da primeira portaria, nos termos do art. 5º, XL, da Constituição Federal.
(HC 94397, Relator: Min. Cezar Peluso, Segunda Turma, julgado em 09/03/2010)

Em suma, pode-se afirmar que a retroatividade da nova lei penal mais benéfica (art. 5º, XL, da Constituição Federal, e art. 107, III, do Código Penal) também se estende ao complemento das leis penais em branco.

REFERÊNCIA:

JESUS, Damásio de. Direito penal: parte geral. Vol. 1. 34. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

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Evinis Talon é Advogado Criminalista com atuação no Brasil inteiro, com 12 anos de experiência na defesa penal, professor de cursos de mestrado e doutorado com experiência de 11 anos na docência, Doutor em Direito Penal pelo Centro de Estudios de Posgrado (México), Doutorando pela Universidade do Minho (Portugal – aprovado em 1º lugar), Mestre em Direito (UNISC), Máster en Derecho Penal (Universidade de Sevilha), Máster en Derecho Penitenciario (Universidade de Barcelona), Máster en Derecho Probatorio (Universidade de Barcelona), Máster en Derechos Fundamentales (Universidade Carlos III de Madrid), Máster en Política Criminal (Universidade de Salamanca), especialista em Direito Penal, Processo Penal, Direito Constitucional, Filosofia e Sociologia, autor de 7 livros, ex-Defensor Público do Rio Grande do Sul (2012-2015, pedindo exoneração para advogar. Aprovado em todas as fases durante a graduação), palestrante que já participou de eventos em 3 continentes e investigador do Centro de Investigação em Justiça e Governação (JusGov) de Portugal. Citado na jurisprudência de vários tribunais, como TRF1, TJSP, TJPR, TJSC, TJGO, TJMG, TJSE e outros.

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