Breves comentários sobre a jurisdição penal
Atualmente, o Estado tem o monopólio punitivo, cabendo-lhe, com exclusividade, o processamento dos casos criminais e a imposição das respectivas sanções. Não vigora mais a vingança privada, pois a legitimidade do processo punitivo depende de critérios racionais que exigem um terceiro imparcial como julgador.
No processo penal, a jurisdição “tem como finalidade o acertamento irrevogável dos chamados casos penais, isto é, das situações de dúvida quanto à aplicação ou não da sanção penal” (BORGES, 2010, p. 189).
É importante destacar que a jurisdição não é apenas um poder – em que pese seja exercida por um Poder –, mas também uma garantia de que as punições devem ocorrer de forma racional e segundo as regras democraticamente estabelecidas. Nas palavras de Coutinho (2000, p. 3), “a par de ser um poder – e como tal deve ser estudado com proficiência -, é uma garantia constitucional do cidadão, da qual não se pode abrir mão”.
Como destaca Rosa (2017, p. 610), “para que as sanções possam se legitimar democraticamente precisam respeitar os direitos fundamentais.”
Aliás, um dos direitos fundamentais é a impossibilidade de submeter alguém eternamente a julgamento, até que seja proferida a decisão pretendida pela acusação. Nesse diapasão, a garantia da coisa julgada, prevista no art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal, impede que, uma vez absolvido, alguém seja novamente processado pelo mesmo fato. A revisão criminal somente é cabível “pro reo”.
Também não é possível que o exercício da jurisdição se prolongue indevidamente, mantendo alguém no malfadado “banco dos réus” por tempo maior que o necessário para a condenação ou absolvição. Por essa razão, com a Emenda Constitucional nº 45/2004, passou a ser prevista a duração razoável do processo, nos termos do art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal.
Portanto, como é dependente do respeito aos direitos fundamentais, a jurisdição não é ilimitada. Depende do respeito incondicional à Constituição e às normas processuais. Entre as limitações, é inevitável que a jurisdição seja limitada temporal – duração razoável do processo e coisa julgada – e territorialmente.
No que concerne à limitação territorial, salienta-se que o debate sobre competência absoluta ou relativa é muito criticado no processo penal. Ora, aqui, o juiz natural é uma garantia do acusado, que sempre estará em situação inferior ao órgão acusador. Não há paridade no processo penal, porque uma das partes tem um enorme aparato estatal e não sofrerá consequências em caso de derrota, enquanto a outra parte é acu(s)ada e, se derrotada – condenada –, sofrerá uma sanção que tem a pior natureza jurídica entre todas do nosso ordenamento jurídico: a sanção penal. Entretanto, de modo temerário, tem ocorrido uma indevida civilização do processo penal, admitindo-se a prorrogação da competência de juízos territorialmente incompetentes.
É criticável, por exemplo, o entendimento do STJ no sentido de que é relativa a nulidade decorrente da inobservância da competência penal por prevenção, que deve ser alegada em momento oportuno, sob pena de preclusão (RHC 067107/MS, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, Julgado em 13/09/2016, DJE 21/09/2016). A súmula 706 do STF tem o mesmo teor. Como pode um juiz incompetente se tornar competente no processo penal, que discute diretamente o direito à liberdade?
BIBLIOGRAFIA:
BORGES, Clara Roman. Jurisdição penal e normalização. Florianópolis: Conceito, 2010.
COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Introdução aos Princípios Gerais do Processo Penal Brasileiro. In: Separata do Instituto Transdisciplinar de Estudos Criminais, ITEC, Porto Alegre, ano 1, n. 4, janeiro/fevereiro/março de 2000.
ROSA, Alexandre Morais da. Guia do processo penal conforme a teoria dos jogos. 4 ed. Florianópolis: Empório do Direito, 2017.
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