No HC 575.495-MG, julgado em 02/06/2020, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que é cabível a concessão de prisão domiciliar aos reeducandos que cumprem pena em regime semiaberto e aberto que tiveram suspenso o exercício do trabalho externo, como medida preventiva de combate à pandemia, desde que não ostentem procedimento de apuração de falta grave (leia aqui).
Informações do inteiro teor:
A revogação dos benefícios concedidos aos reeducandos configura flagrante ilegalidade, sobretudo diante do recrudescimento da situação em que estavam na execução da pena, todos em regime semiaberto, evoluídos à condição menos rigorosa, trabalhando e já em contato com a sociedade.
A adoção de medidas preventivas de combate à pandemia da covid-19 extremamente restritivas não levaram em conta os princípios norteadores da execução penal (legalidade, individualização da pena e dignidade da pessoa humana), nem a finalidade da sanção penal de reinserção dos condenados no convívio social, pois a suspensão do exercício do trabalho externo daqueles em regime semiaberto traz degradação à situação vivida pelos custodiados que diariamente saem do estabelecimento prisional para laborar, readaptando-se à sociedade; portanto, a obrigação de voltar a permanecer em tempo integral na prisão representa alteração na situação carcerária de cada um dos atingidos pela medida de extrema restrição.
É preciso ter em mente que o recrudescimento da situação prisional somente é admitido em nosso ordenamento jurídico como forma de penalidade em razão de cometimento de falta disciplinar, cuja imposição definitiva exige prévio procedimento disciplinar, com observância dos princípios constitucionais, sobretudo da ampla defesa e do contraditório.
Assim, é preciso dar imediato cumprimento à Resolução n. 62/CNJ, como medida de contenção da pandemia causada pelo coronavírus (covid-19), notadamente ao disposto no inc. III do art. 5º, que dispõe sobre a concessão de prisão domiciliar para todas as pessoas presas em cumprimento de pena em regime aberto e semiaberto, mediante condições a serem definidas pelo juízo da execução.
Confira a ementa:
HABEAS CORPUS COLETIVO. EXECUÇÃO PENAL. SENTENCIADOS DO REGIME SEMIABERTO E ABERTO. SUSPENSÃO DO EXERCÍCIO DO TRABALHO EXTERNO COMO MEDIDA DE PREVENÇÃO E COMBATE À PANDEMIA DA COVID-19. RECRUDESCIMENTO DA SITUAÇÃO PRISIONAL À SEMELHANÇA DO REGIME FECHADO. FLAGRANTE ILEGALIDADE QUE AFASTA O ÓBICE DA SÚMULA 691/STF. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE, INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA. ORDEM CONCEDIDA. RATIFICADAS AS LIMINARES ANTERIORMENTE DEFERIDAS. PARECER MINISTERIAL ACOLHIDO.
1. No que diz respeito ao cabimento do habeas corpus coletivo, diante dos novos conflitos interpessoais resultantes da sociedade contemporânea – “sociedade de massa” -, imprescindível um novo arcabouço jurídico processual que abarque a tutela de direitos coletivos, também no âmbito penal.
2. A reunião, em um único processo, de questões que poderiam estar diluídas em centenas de habeas corpus importa em economia de tempo, de esforço e de recursos, atendendo, assim, ao crescente desafio de tornar a prestação jurisdicional desta Corte Superior mais célere e mais eficiente.
3. Na espécie, seria aplicável, em princípio, o enunciado da Súmula 691 do STF, observado também por esta Corte, segundo o qual não cabe habeas corpus contra indeferimento de pedido liminar em outro writ, entretanto verifico constrangimento ilegal suficiente para afastar o referido óbice sumular.
4. A revogação dos benefícios concedidos aos reeducandos elencados na petição inicial configura flagrante ilegalidade, sobretudo diante do recrudescimento da situação em que estavam na execução da pena, todos em regime semiaberto, evoluídos à condição menos rigorosa, trabalhando e já em contato com a sociedade.
5. Diversos Juízos da Execução Penal de comarcas mineiras adotaram medidas preventivas de combate à pandemia da Covid-19 extremamente restritivas, as quais não levaram em conta os princípios norteadores da execução penal (legalidade, individualização da pena e dignidade da pessoa humana), bem como a finalidade da sanção penal de reinserção dos condenados ao convívio social.
6. A suspensão do exercício do trabalho externo aos reeducandos do regime semiaberto trouxe uma degradação à situação vivida por esses custodiados, que diariamente saíam do estabelecimento prisional para trabalhar, mas, agora, foram obrigados a nele permanecer em tempo integral, o que manifestamente representa uma alteração na situação carcerária de cada um dos atingidos pela medida de extrema restrição.
7. O recrudescimento da situação prisional somente é admitido em nosso ordenamento jurídico como forma de penalidade, em razão de cometimento de falta disciplinar, cuja imposição definitiva exige prévio procedimento disciplinar, com observância dos princípios constitucionais, sobretudo da ampla defesa e do contraditório.
8. É preciso dar imediato cumprimento à citada recomendação do Conselho Nacional de Justiça, como medida de contenção da pandemia mundialmente causada pelo referido coronavírus (Covid-19), notadamente o disposto no inc. III do art. 5º da citada Resolução n. 62/CNJ, que dispõe sobre a concessão de prisão domiciliar em relação a todas as pessoas presas em cumprimento de pena em regime aberto e semiaberto, mediante condições a serem definidas pelo Juiz da execução.
9. Ordem concedida para impor o regime domiciliar, especificamente aos reeducandos do sistema prisional do Estado de Minas Gerais que cumprem pena em regime semiaberto e aberto, que tiveram suspenso o exercício do trabalho externo, como medida preventiva de combate à pandemia, desde que não ostentem procedimento de apuração de falta grave. A ordem deve ser implementada pelos Juízos de Execuções de cada comarca de Minas Gerais, que deverão fixar as condições do regime domiciliar, considerando a ressalva aqui definida, bem como a situação daqueles que têm contrato de trabalho vigente, de modo a permitir-lhes a sua continuidade. Ficam ratificadas as medidas liminares deferidas nos autos. Deferido o pedido de extensão constante da Petição de n. 268.094/2020, apresentado pela Defensoria Pública do Distrito Federal, em virtude da comprovação da similitude fático-jurídica com o caso do sistema prisional ora julgado, nos termos do art. 580 do Código de Processo Penal. Parecer ministerial acolhido. (HC 575.495/MG, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 02/06/2020, DJe 08/06/2020)
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