Carne fraca e pelos de ratos: o que isso tem a ver?
Quando saiu a notícia de que a Anvisa havia proibido a distribuição e venda de lotes de molho e extrato de tomate com pelos de roedor (especialmente ratos) acima do limite permitido (leia aqui), todos fizeram a mesma indagação: “então havia um limite permitido de pelos de ratos?”.
A repugnância causada por essa notícia decorreu de duas causas. Em primeiro lugar, por haver um limite permitido de pelos de roedores nos alimentos. Da mesma forma, causa asco saber que, mesmo havendo um limite, esse teto foi ultrapassado, o que é duplamente repugnante.
O que isso tem a ver com a Operação Carne Fraca? Tudo!
Temos denunciado há tempos a espetacularização proporcionada por algumas autoridades públicas, que gritam aos quatro cantos em cada instauração de inquérito ou oferecimento de denúncia. Detalham mais para a imprensa do que para o Juiz, verdadeiro destinatário de suas alegações, como se o exercício das funções dependesse de uma onírica – porém custosa – prestação pública de contas.
Ocorre que a Operação Carne Fraca extrapolou um limite que nem sequer deveria existir. Até o momento, presenciávamos divulgações seletivas de delações premiadas, holofotes e suposições atingindo pessoas individualmente consideradas. A Operação Carne Fraca inovou: com esse espetáculo, atingiram grupos empresariais, funcionários – que talvez percam seus empregos –, a memória de pessoas que lutaram por muitos anos para levarem essas empresas ao mercado exterior, a credibilidade do Brasil no mercado internacional e a economia brasileira.
Divulgou-se amplamente que se tratava da maior operação da história da Polícia Federal, como se houvesse a necessidade de um eterno crescimento do porte das operações, sob pena de extinção dessa instituição que é muito maior do que os poucos que parecem buscar a superação dos próprios colegas de trincheira.
Espetacularizaram mais do que já estamos acostumados. Esses excessos causam a mesma preocupação – para não dizer nojo – que os excessos de pelos nos molhos de tomate.
Aliás, é contraditório como as informações chegam com mais facilidade à imprensa do que aos atores do processo penal.
Em outras palavras, pregam o sigilo em relação aos Advogados, dificultando o acesso aos autos dos inquéritos, o que ensejou a edição da súmula vinculante nº 14, ainda muito descumprida. Por outro lado, divulgam amplamente fatos ainda sob investigação.
A Operação Carne Fraca gerará consequências gravosas não apenas ao Brasil – apesar dos esclarecimentos e do retorno da confiança dos mercados estrangeiros –, mas também à instituição envolvida. O erro de alguns fará com que todos sejam alvos dos debates legislativos relacionados ao abuso de autoridade.
Deixo, por fim, uma sugestão legislativa: está na hora de se punir administrativamente o excesso de coletivas de imprensa, não importando se o conteúdo é verdadeiro, exagerado ou falso. Quem atua na persecução penal, seja na “persecutio criminis extra iudicio”, seja na “persecutio criminis in iudicio”, deve manifestar-se exclusivamente nos autos, e não em microfones, por maiores que sejam as tentações causadas pelos holofotes. Sabemos que, para algumas autoridades, a carne é fraca, mas elas precisam ter a noção de que quem sente na carne são os acusados.
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