Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) publicou uma edição da “Jurisprudência em teses” com os seus principais entendimentos sobre o tribunal do júri.
Trata-se de um dos temas mais relevantes para quem atua na área criminal, pois o júri, por ser um procedimento que tem uma fase essencialmente oral, demanda conhecimento imediato acerca desses entendimentos jurisprudenciais. Em alguns casos, a inércia da parte pode gerar preclusão.
Por considerar que seria insuficiente descrever as teses, comentarei cada um desses entendimentos:
1) O ciúme, sem outras circunstâncias, não caracteriza motivo torpe (AgRg no AREsp 569047/PR, Rel. Ministro Ericson Maranho (Desembargador convocado do TJ/SP), julgado em 28/04/2015, DJE 06/05/2015).
COMENTÁRIO: trata-se de entendimento importante para a defesa. Por si só, o ciúme não configura a qualificadora do motivo torpe, prevista no art. 121, §2º, I, do Código Penal.
Considero que esse entendimento deve ser aplicável não apenas quanto à decisão dos jurados – com possibilidade de apelação caso seja reconhecida a qualificadora sem outros motivos -, mas também na decisão de pronúncia, para que o acusado não seja pronunciado por essa qualificadora quando a descrição na denúncia mencione apenas o fato de ter ocorrido o crime por ciúme, sem menção de outras circunstâncias que poderiam configurar o motivo torpe.
2) Cabe ao Tribunal do Júri decidir se o homicídio foi motivado por ciúmes, assim como analisar se referido sentimento, no caso concreto, qualifica o crime (AgRg no AREsp 827875/MG, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, Julgado em 22/09/2016,DJE 28/09/2016).
COMENTÁRIO: de forma um pouco distinta da tese nº 1, esse entendimento afirma a necessidade de que o Juízo submeta aos jurados a avaliação sobre o crime ter sido ou não motivado por ciúmes e se, no caso concreto, isso seria um motivo torpe.
3) Na fase de pronúncia, cabe ao Tribunal do Júri a resolução de dúvidas quanto à aplicabilidade de excludente de ilicitude (AgRg no AREsp 872992/PE, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Julgado em 21/06/2016, DJE 01/07/2016).
COMENTÁRIO: por esse entendimento, seria aplicável à decisão de pronúncia o princípio “in dubio pro societate”, de modo que, havendo dúvidas sobre a presença ou não de excludente de ilicitude, o fato deve ser levado à apreciação dos jurados. Nesse ponto, a absolvição pelo Juízo somente seria possível se houvesse prova unívoca da excludente.
Essa tese é uma das mais criticadas pela doutrina, que entende ser sempre aplicável o princípio do “in dubio pro reo”, único compatível com o princípio constitucional da presunção de inocência.
4) A exclusão de qualificadora constante na pronúncia só pode ocorrer quando manifestamente improcedente e descabida, sob pena de usurpação da competência do Tribunal do Júri (AgRg no REsp 1618955/RS, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Julgado em 01/12/2016, DJE 14/12/2016).
COMENTÁRIO: trata-se de tese que, assim como a anterior, entende ser aplicável o princípio do “in dubio pro societate” à decisão de pronúncia. Em outras palavras, as qualificadoras descritas na denúncia devem ser submetidas aos jurados, salvo se houver prova clara de que são descabidas.
Na prática, o descabimento das qualificadoras somente surte algum efeito se for fático, sendo raro haver seu afastamento por divergência jurídica. Em outras palavras, normalmente, os Juízes afastam a qualificadora na decisão de pronúncia quando a defesa prova que o fato descrito na denúncia referente à qualificadora não ocorreu.
Via de regra, os Juízes optam por submeter aos jurados quando a divergência decorre do conceito da qualificadora. Assim, se provado que houve surpresa, os Juízes não excluem a qualificadora do recurso que dificultou a defesa da vítima, em que pese haja posicionamento doutrinário dizendo que a surpresa não configuraria essa qualificadora. Deixam, portanto, para que os jurados decidam se a surpresa insere-se ou não no conceito dessa qualificadora.
5) A complementação do número regulamentar mínimo de 15 (quinze) jurados por suplentes de outro plenário do mesmo Tribunal do Júri, por si só, não enseja nulidade do julgamento (HC 168263/SP, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Julgado em 20/08/2015, DJE 08/09/2015).
COMENTÁRIO: trata-se do “empréstimo de jurados”. Nos casos apreciados pelo STJ, a defesa não havia impugnado esse empréstimo durante o júri, não havendo menção a eventual reclamação na ata de julgamento.
A técnica exige que a defesa alegue essa nulidade na primeira oportunidade possível, sob pena de preclusão, nos termos do art. 571, VIII, do Código de Processo Penal. Isto porque, segundo o entendimento vigente, trata-se de nulidade relativa.
6) Viola o princípio da soberania dos veredictos a anulação parcial de decisão proferida pelo Conselho de Sentença acerca da qualificadora sem a submissão do réu a novo Júri (REsp 1577374/RS, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, Julgado em 28/06/2016, DJE 01/08/2016).
COMENTÁRIO: por essa tese, se após o júri e a interposição da respectiva apelação, o Tribunal que aprecia o recurso (TJ ou TRF) entender incabível determinada qualificadora, deverá submeter o réu a novo julgamento, não sendo possível o mero afastamento da qualificadora. A submissão a novo júri teria como fundamento o art. 593, III, d, e §3º, do Código de Processo Penal.
Trata-se de um entendimento que tem pontos favoráveis e prejudiciais à defesa.
No que concerne ao ponto prejudicial, deve-se destacar que a defesa não veria, imediatamente, o afastamento da qualificadora pelo Tribunal. Seria necessário um novo júri, com a possibilidade de acolhimento ou não da qualificadora. Assim, mesmo que o Tribunal entenda ser incabível a qualificadora, haverá possibilidade de que ela permaneça, de acordo com a decisão dos jurados no segundo júri.
Contudo, como ponto favorável, insta salientar que a submissão do acusado a novo julgamento em razão do descabimento da qualificadora possibilitará uma nova tentativa de absolvição ou desclassificação por parte da defesa.
7) A ausência do oferecimento das alegações finais em processos de competência do Tribunal do Júri não acarreta nulidade, uma vez que a decisão de pronúncia encerra juízo provisório acerca da culpa (HC 366706/PE, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, Julgado em 04/10/2016, DJE 16/11/2016).
COMENTÁRIO: esse entendimento admite que a defesa não apresente alegações finais na primeira fase do procedimento do júri.
Apesar de ser questionável se há ou não nulidade – pois poderia ser uma violação ao contraditório e à ampla defesa -, seria uma estratégia defensiva relevante para o tribunal do júri. A ausência de alegações finais evitaria que o Ministério Público soubesse, antes da intervenção defensiva no júri, quais são as teses adotadas.
8) A simples leitura da pronúncia no Plenário do Júri não leva à nulidade do julgamento, que somente ocorre se a referência for utilizada como argumento de autoridade que beneficie ou prejudique o acusado (AgRg no AREsp 429039/MG, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Julgado em 27/09/2016, DJE 10/10/2016).
COMENTÁRIO: trata-se de mais um entendimento criticável. Acredito que a leitura de uma decisão judicial durante o júri sempre será um argumento de autoridade e, da mesma forma, sempre beneficiará ou prejudicará o acusado, porquanto não seria realizada essa leitura de forma desmotivada. Ademais, a parte (acusação ou defesa) que lê a decisão de pronúncia dedicará a sua abordagem ao trecho da decisão que mais se coaduna com as suas alegações.
9) Na intimação pessoal do réu acerca de sentença de pronúncia ou condenatória do Júri, a ausência de apresentação do termo de recurso ou a não indagação sobre sua intenção de recorrer não gera nulidade do ato (RHC 061365/SP, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, Julgado em 03/03/2016, DJE 14/03/2016).
COMENTÁRIO: esse entendimento se refere aos casos em que, ao se intimar o réu da decisão de pronúncia ou da decisão condenatória do júri, não se lhe indaga sobre eventual intenção de recorrer. Para o STJ, não há nulidade.
A questão pode trazer traços de dramaticidade por diversos fatores. A um, muitos acusados optam por não recorrer porque acreditam que a pena pode ser majorada caso recorram. A dois, a ausência de indagação sobre a intenção de recorrer deixa essa possibilidade ao alvedrio da defesa, que, em alguns casos – como na Defensoria Pública -, pode ter dificuldade de se comunicar com o acusado. A três, o acusado deve ser indagado para que, caso manifeste a intenção de recorrer e o seu defensor discorde, seja possível substituir a sua defesa técnica, respeitando a vontade de quem, de fato, cumprirá a pena imposta.
Por esses aspectos práticos, entendo ser preocupante o entendimento no sentido de que não há nulidade quando o réu não é indagado sobre a intenção de recorrer.
10) A sentença de pronúncia deve limitar-se à indicação da materialidade do delito e aos indícios de autoria para evitar nulidade por excesso de linguagem e para não influenciar o ânimo do Conselho de Sentença (HC 354293/RJ, Rel. Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Julgado em 08/11/2016, DJE 22/11/2016).
COMENTÁRIO: trata-se de um entendimento pacífico nos Tribunais. O excesso de linguagem é causa de nulidade da decisão de pronúncia, devendo esta ser substituída por outra que se limite a indicar a materialidade da infração penal e os indícios de autoria.
11) É possível rasurar trecho ínfimo da sentença de pronúncia para afastar eventual nulidade decorrente de excesso de linguagem (HC 325076/RJ, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, Julgado em 18/08/2016, DJE 31/08/2016).
COMENTÁRIO: seguindo a linha do entendimento anterior, essa tese firmada pelo STJ pretende afastar o excesso de linguagem por meio de rasuras na decisão de pronúncia.
Trata-se de entendimento que, dependendo do caso concreto, pode ser prejudicial à defesa. Isto porque, se mantida a decisão de pronúncia e realizada a mera rasura de alguns trechos – para evitar a necessidade de que outra pronúncia seja proferida -, o marco interruptivo da prescrição permaneceria, ao contrário da hipótese em que a pronúncia fosse anulada por excesso de linguagem, quando deixaria de ser um marco interruptivo da prescrição. Nesse segundo caso, o lapso temporal dessa causa extintiva da punibilidade contaria do recebimento da denúncia (via de regra) até a decisão de pronúncia que substituiria a decisão anulada. Portanto, seria um lapso temporal consideravelmente superior, havendo maiores chances de ocorrência da prescrição.
12) Reconhecida a nulidade da pronúncia por excesso de linguagem, outra decisão deve ser proferida, visto que o simples envelopamento e desentranhamento da peça viciada não é suficiente (HC 308047/SP, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, Julgado em 08/03/2016, DJE 20/04/2016).
COMENTÁRIO: trata-se de entendimento de fácil compreensão. A nulidade da decisão de pronúncia torna necessário que o Juízo profira uma nova decisão, ainda que a nulidade tenha decorrido de excesso de linguagem.
13) A competência para o processo e julgamento do latrocínio é do juiz singular e não do Tribunal do Júri (Súmula 603/STF) (HC 211749/SP, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Julgado em 06/05/2014, DJE 16/05/2014).
COMENTÁRIO: não há divergência sobre esse assunto. O latrocínio se classifica como crime contra o patrimônio, e não como crime contra a vida, razão pela qual não é de competência do tribunal do júri.
14) Compete ao Tribunal do Júri decretar, motivadamente, como efeito da condenação, a perda do cargo ou função pública, inclusive de militar quando o fato não tiver relação com o exercício da atividade na caserna (AgRg no AREsp 558084/MS, Rel. Ministro Reynaldo Soares Da Fonseca, Quinta Turma, Julgado em 11/06/2015, DJE 17/06/2015).
COMENTÁRIO: esse entendimento é no sentido da necessidade de que a perda do cargo ou função pública como efeito da condenação seja submetida aos jurados por meio de quesito específico.
15) A pronúncia é causa interruptiva da prescrição, ainda que o Tribunal do Júri venha a desclassificar o crime. (Súmula 191/STJ) (REsp 1021670/SP, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Quinta Turma, Julgado em 03/12/2013, DJE 11/12/2013).
COMENTÁRIO: esse entendimento pacífico e sumulado do STJ decorre da ideia de que a desclassificação pelo júri não desconstitui a decisão de pronúncia.
Caso assim não fosse, ocorrendo a desclassificação pelo júri, estar-se-ia afirmando que os jurados superaram a decisão de pronúncia proferida anteriormente pelo Juízo, que afirmara que o fato se tratava de crime sujeito à competência do júri. Nessa linha, seria afastado um marco interruptivo (decisão de pronúncia), fazendo com que o lapso temporal da prescrição não houvesse sido interrompido e, por conseguinte, não tivesse a contagem reiniciada. Isso facilitaria a ocorrência da prescrição, haja vista que seria considerado o marco interruptivo anterior, o qual, via de regra, é o recebimento da denúncia.