Decisão proferida pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça no CC 145514/SP, julgado em julgado em 10/08/2016 (leia a íntegra do acórdão).
Confira a ementa:
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇA FEDERAL X JUSTIÇA ESTADUAL. AÇÃO PENAL. MANUTENÇÃO DE DROGAS EM DEPÓSITO E CONTRABANDO DE CIGARROS ESTRANGEIROS DESCOBERTOS NA MESMA DILIGÊNCIA POLICIAL. INEXISTÊNCIA DE INDÍCIOS DE TRANSNACIONALIDADE DA DROGA E DE CONEXÃO ENTRE OS DELITOS. DESMEMBRAMENTO DO FEITO. 1. Não há conexão a justificar o julgamento unificado, pela Justiça Federal, dos delitos de manutenção de drogas em depósito (33, caput, da Lei 11.343/2006) e de contrabando de mercadorias estrangeiras (334-A, § 1º, IV, do CP) se as investigações e a denúncia não apontaram a existência de liame circunstancial algum, seja material ou instrumental entre eles. 2. O simples fato de a apuração dos delitos investigados ter tido início a partir da mesma diligência policial não implica, necessariamente, a existência de conexão entre eles. Precedentes desta Terceira Seção. 3. Conflito conhecido, para declarar competente para o julgamento da ação penal, no que se refere ao delito de manutenção de drogas em depósito, o Juízo de Direito da 1ª Vara Criminal da Comarca de Ribeirão Preto/SP, o suscitante. (CC 145.514/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 10/08/2016, DJe 16/08/2016)
Leia a íntegra do voto:
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
O conflito merece ser conhecido, uma vez que os Juízos que suscitam a incompetência estão vinculados a Tribunais diversos, sujeitando-se, portanto, à jurisdição desta Corte, a teor do disposto no art. 105, inciso I, alínea “d”, da Constituição Federal.
Questiona-se nos autos se existe conexão entre os delitos de contrabando e de manutenção de drogas em depósito, descobertos na mesma ação policial, a justificar o julgamento da ação penal, em relação aos dois delitos na Justiça Federal, em atenção à orientação contida no enunciado n. 122 da Súmula desta Corte.
Como se sabe, o Código Processual Penal define as regras da conexão em seu art. 76, que assim dispõe:
Art. 76. A competência será determinada pela conexão: I – se, ocorrendo duas ou mais infrações, houverem sido praticadas, ao mesmo tempo, por várias pessoas reunidas, ou por várias pessoas em concurso, embora diverso o tempo e o lugar, ou por várias pessoas, umas contra as outras; II – se, no mesmo caso, houverem sido umas praticadas para facilitar ou ocultar as outras, ou para conseguir impunidade ou vantagem em relação a qualquer delas; III – quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra infração.
Referido artigo descreve:
a) em seu inciso I, a conexão intersubjetiva por simultaneidade (dos fatos e da atuação dos autores), por concurso (liame subjetivo que liga os diversos autores ao praticarem infrações penais em tempo e lugar diferentes) ou por reciprocidade;
b) em seu inciso II, a conexão objetiva, também chamada pela doutrina de consequencial, lógica ou teleológica (nela, embora não haja prévio conluio dos agentes, o resultado de uma infração termina por facilitar ou ocultar outra, ou mesmo por garantir a impunidade de outra ou uma vantagem – pressupõe, como no inciso I, a existência de várias pessoas cometendo delitos); e
c) em seu inciso III, a conexão instrumental (processual), na qual os feitos são reunidos quando a prova de uma infração serve, de algum modo, para provar outra, ou até mesmo quando as circunstâncias elementares de uma infração terminarem contribuindo para a prova de outra.
Lembro, no entanto, que as causas modificadoras da competência – conexão e continência – apresentam-se com o objetivo de melhor esclarecer os fatos, auxiliando o juiz a formar seu livre convencimento motivado. Dessarte, só se justifica a alteração da competência originária quando devidamente demonstrada a possibilidade de alcançar os benefícios visados pelos referidos institutos.
Esclarecedora sobre o tema é a lição de Aury Lopes Júnior:
Todas as regras anteriormente explicitadas podem ser profundamente alteradas ou mesmo negadas quando estivermos diante de conexão ou continência, verdadeiras causas modificadoras da competência e que têm como fundamento a necessidade de reunir os diversos delitos conexos ou os diferentes agentes num mesmo processo, para julgamento simultâneo. Na conexão, o interesse é evidentemente probatório, pois o vínculo estabelecido entre os delitos decorre da sua estreita ligação. Já na continência, o que se pretende é, diante de um mesmo fato praticado por duas ou mais pessoas, manter uma coerência na decisão, evitando o tratamento diferenciado que poderia ocorrer caso o processo fosse desmembrado e os agentes julgados em separado. (LOPES JÚNIOR, A. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. v. I, p. 412).
Nesse contexto, entendo que, para averiguar a existência ou não de conexão entre os fatos narrados, mostra-se imprescindível avaliar se o julgamento conjunto é efetivamente necessário e benéfico. Portanto, o exame acerca da existência de conexão deve se dar de forma casuística e finalística, reforçando, assim, seu próprio conceito.
Isso porque a conexão probatória pressupõe a existência de vínculo objetivo entre crimes diversos de tal modo que a prova de uma ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influa na prova da outra.
É nessa linha de otimização do resultado buscado no processo que o art. 80 do CPP admite a separação de feitos quando as infrações tiverem sido praticadas em circunstâncias de tempo ou de lugar diferentes ou em decorrência de outro motivo relevante. Eis o teor da norma:
Art. 80. Será facultativa a separação dos processos quando as infrações tiverem sido praticadas em circunstâncias de tempo ou de lugar diferentes, ou, quando pelo excessivo número de acusados e para não lhes prolongar a prisão provisória, ou por outro motivo relevante, o juiz reputar conveniente a separação.
Ora, no caso concreto, a mera descoberta dos dois delitos em um mesmo contexto fático não permite vislumbrar uma relação consequencial, lógica ou teleológica entre o contrabando e a manutenção de drogas em depósito, pois, a par de não existirem indícios de transnacionalidade da droga, não parece que o primeiro delito tenha como objetivo facilitar ou ocultar o cometimento do segundo, ou vice-versa.
Da mesma forma, as provas da primeira infração não contribuem para a prova da última. Tanto é assim que nem as investigações conduzidas durante o inquérito policial, nem tampouco a denúncia apontaram a existência de liame circunstancial algum, além do subjetivo entre eles.
Isso não obstante, não vislumbro a existência de necessidade e conveniência que aconselhem a tramitação conjunta das duas investigações, na medida em que as evidências colhidas em relação a um delito em nada contribuiriam ou afetariam na prova do outro.
Inaplicável, assim, no caso concreto, o enunciado n. 122 da Súmula desta Corte, segundo o qual “Compete à Justiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e estadual, não se aplicando a regra do art. 78, II, “a”, do Código de Processo Penal”.
Registro, por fim, que, em situações similares à examinada nos autos, esta 3ª Seção também concluiu que a mera descoberta dos delitos investigados em uma mesma diligência não induz, necessariamente, à existência de conexão:
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. PENAL. CONTRABANDO. INEXISTÊNCIA DE CONEXÃO COM O DELITO DE TRÁFICO DE DROGAS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. 1. A ocorrência, em uma mesma circunstância, dos delitos de contrabando e tráfico de drogas não enseja a reunião dos processos, pois, na espécie dos autos, um crime ou sua prova não é elementar do outro, não se vislumbrando a existência da relação de dependência entre os delitos. 2. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito de Araputanga – MT, suscitado, para o processo e julgamento do delito de tráfico de drogas e o Juízo Federal de Cáceres – SJ/MT, o suscitante, para o crime de contrabando. (CC 126.245/MT, Rel. Ministra ALDERITA RAMOS DE OLIVEIRA – Desembargadora Convocada do TJ/PE), TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 22/05/2013, DJe 29/05/2013) – negritei.
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO PENAL. RECEPTAÇÃO DE VEÍCULO FURTADO E CONTRABANDO DE MERCADORIAS ESTRANGEIRAS DESCOBERTOS NA MESMA DILIGÊNCIA POLICIAL. INEXISTÊNCIA DE CONEXÃO ENTRE OS DELITOS. DESMEMBRAMENTO DO FEITO. 1. Não há conexão a justificar o julgamento unificado, pela Justiça Federal, dos delitos de receptação de veículo furtado (art. 180, CP) e de contrabando de mercadorias estrangeiras (art. 334, § 1º, CP) se as investigações e a denúncia não apontaram a existência de liame circunstancial algum, seja subjetivo, material ou instrumental entre eles. 2. O simples fato de a apuração dos delitos investigados ter tido início a partir da mesma diligência policial não implica, necessariamente, a existência de conexão entre eles. Precedentes desta 3ª Seção. 3. Conflito conhecido, para declarar competente para o julgamento da ação penal no que se refere ao delito de receptação o Juízo de Direito da 3ª Vara Criminal da Comarca de Foz do Iguaçu/PR, o suscitante. (CC 132.322/PR, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/10/2015, DJe 06/11/2015) – negritei.
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. FRAUDE À LICITAÇÃO, FALSIDADE IDEOLÓGICA E FORMAÇÃO DE QUADRILHA. OPERAÇÃO FRATELLI. AÇÃO CAUTELAR INOMINADA JULGADA. PRESENTE WRIT SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. VIA INADEQUADA. RECURSOS FEDERAIS. NECESSIDADE DA PRESTAÇÃO DE CONTAS PERANTE OS ÓRGÃOS DE CONTROLE DA UNIÃO. NÃO COMPROVAÇÃO. CONEXÃO PROBATÓRIA. INDISSOCIÁVEL INFLUÊNCIA DA PROVA DE UMA INFRAÇÃO EM OUTRA. NÃO CONFIGURAÇÃO. FLAGRANTE ILEGALIDADE. INEXISTÊNCIA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. (…) 3. Embora compartilhado entre as esferas Estadual e Federal o material probatório das diversas infrações cometidas, dotadas de inegável similitude do modus operandi, não se evidenciou que a prova de um crime acomete a do outro, requisito indissociável para o reconhecimento da conexão instrumental ou probatória. 4. O simples fato de delitos terem sido elucidados na mesma oportunidade, em razão de diligências levadas a termo no âmago de investigações, não significa necessariamente que a prova de uma infração irá influenciar no arcabouço probatório das outras. 5. No contexto apresentado nestes autos, não há reconhecer conexão, devendo haver o trâmite independente dos feitos nas Justiças Estadual e Federal. 6. Habeas corpus não conhecido. (HC 306.984/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 04/08/2015, DJe 17/08/2015) – negritei.
Ante o exposto, conheço do conflito para declarar competente para o julgamento da ação penal, no que se refere ao delito de manutenção de drogas em depósito, o Juízo da 1ª Vara Criminal da Comarca de Ribeirão Preto/SP, o suscitante.
É como voto.
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