STJ: ilegalidade na revista íntima não anula as provas da busca domiciliar
No REsp 2.159.111-RS, julgado em 6/5/2025, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), decidiu que “eventual ilegalidade na execução da revista íntima incidental à busca domiciliar não acarreta, por derivação, a nulidade das provas apreendidas na busca realizada na residência”.
Informações do inteiro teor:
A essência da teoria dos frutos da árvore envenenada (fruits of the poisonous tree), de origem norte-americana, consagrada no art. 5º, LVI, da Constituição Federal, proclama a mácula de provas supostamente lícitas e admissíveis, obtidas, porém, a partir de provas declaradas nulas pela forma ilícita de sua colheita.
A inadmissibilidade das provas derivadas das ilícitas, todavia, não se estende a todas as provas do processo. Tendo em vista o disposto no art. 157, § 1º, parte final, e § 2º, do CPP – que consagram exceções concebidas também no direito norte-americano – é necessário averiguar (a) se a prova ilicitamente obtida seria inevitavelmente descoberta de outro modo (inevitable discovery), a partir de outra linha legítima de investigação, ou (b) se tal prova, embora guarde alguma conexão com a original, ilícita, não tem relação de total causalidade em relação àquela, pois outra fonte a sustenta (independent source).
No caso, policiais civis compareceram à residência da acusada para cumprir mandado de busca domiciliar. Durante a execução do mandado, policiais femininas realizaram revista íntima na acusada. Na delegacia de polícia e no estabelecimento penal, foram realizadas mais duas revistas íntimas. Nenhuma prova foi apreendida em decorrência das revistas íntimas. Na residência, por sua vez, apreenderam-se drogas, dinheiro e pesticidas.
Conforme pontuado pelas instâncias ordinárias, são ilícitas as três revistas íntimas a que foi submetida, desnecessária e injustificadamente, a acusada, de modo a configurar grave violação à dignidade da pessoa humana por agentes de Estado.
Entretanto, a despeito da manifesta gravidade da ilicitude das três revistas íntimas, tal ilicitude não tem por consequência a inadmissibilidade de todas as provas colhidas durante a execução do mandado de busca domiciliar, em razão da inexistência de nexo de causalidade entre o meio de obtenção de prova declarado ilícito e as provas mencionadas.
Com efeito, para a definição das provas inadmissíveis em razão da ilicitude dos meios de obtenção empregados, é necessário, à luz do art. 157, § 1º, do CPP, verificar a existência de nexo de causalidade entre o meio de obtenção de prova declarado ilícito e as provas produzidas nos autos.
Como reconheceu o Tribunal de origem, nenhuma prova foi apreendida em decorrência das revistas íntimas – seja daquela realizada incidentalmente à busca domiciliar, seja daquelas realizadas posteriormente, na delegacia de polícia e no estabelecimento penal. Todas as provas constantes nos autos foram localizadas durante a busca na residência, de modo que não há nenhum nexo causal entre a apreensão das provas localizadas na residência e as revistas íntimas declaradas ilícitas.
Além disso, a inexistência de nexo causal entre as revistas íntimas ilícitas e as provas apreendidas pode ser mais bem evidenciada a partir de um juízo hipotético de eliminação, típico da apuração da causalidade simples (causa como conditio sine qua non do evento): se as revistas íntimas não tivessem sido realizadas, ainda assim as provas incriminatórias (as drogas, o dinheiro e os pesticidas) teriam sido produzidas, pois elas foram encontradas no interior na residência (em decorrência da busca domiciliar), e não no corpo da acusada (em decorrência das revistas íntimas).
Ademais, mesmo em relação à revista íntima realizada no interior da residência, vale destacar que, de acordo com o art. 244 do CPP, é admissível a execução de busca pessoal incidental à busca domiciliar, independentemente de mandado prévio. Todavia, eventual ilegalidade na execução da busca pessoal incidental não acarreta, por derivação, a ilegalidade de toda a busca domiciliar.
Assim, embora sem ignorar ou mesmo mitigar a gravidade da ilicitude verificada no caso, é imperativo reconhecer que são admissíveis as provas derivadas da busca domiciliar, pois não derivadas das revistas íntimas ilícitas, na forma do art. 157, § 1º, do CPP.
Leia a ementa:
RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. CUMPRIMENTO DE MANDADO DE BUSCA DOMICILIAR. EXECUÇÃO DE REVISTA ÍNTIMA NA INVESTIGADA, DESNECESSÁRIA E VEXATÓRIA, POR TRÊS VEZES. GRAVE VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS. PROVAS COLHIDAS NA RESIDÊNCIA. DROGAS, DINHEIRO E PESTICIDAS. INADMISSIBILIDADE. NÃO CONFIGURAÇÃO. AUSÊNCIA DE VÍNCULO CAUSAL ENTRE O MEIO DE OBTENÇÃO ILÍCITO (REVISTA ÍNTIMA) E A PROVA COLHIDA NA RESIDÊNCIA. DERIVAÇÃO DE FONTE INDEPENDENTE. APLICABILIDADE DO ART. 157, § 1º, DO CPP. COMUNICAÇÃO AO MINISTÉRIO PÚBLICO E À POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PARA APURAÇÃO DE ILÍCITO FUNCIONAL. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. A essência da teoria dos frutos da árvore envenenada (fruits of the poisonous tree), de origem norte-americana, consagrada no art. 5º, LVI, da Constituição Federal, proclama a mácula de provas supostamente lícitas e admissíveis, obtidas, porém, a partir de provas declaradas nulas pela forma ilícita de sua colheita. 2. A inadmissibilidade das provas derivadas das ilícitas, todavia, não se estende a todas as provas do processo. Tendo em vista o disposto no art. 157, § 1º, parte final, e § 2º, do CPP – que consagram exceções concebidas também no direito norte-americano – é necessário averiguar (a) se a prova ilicitamente obtida seria inevitavelmente descoberta de outro modo (inevitable discovery), a partir de outra linha legítima de investigação, ou (b) se tal prova, embora guarde alguma conexão com a original, ilícita, não tem relação de total causalidade em relação àquela, pois outra fonte a sustenta (independent source). 3. No caso concreto, policiais civis compareceram à residência da acusada para cumprir mandado de busca domiciliar. Durante a execução do mandado, policiais femininas realizaram revista íntima na acusada. Na delegacia de polícia e no estabelecimento penal, foram realizadas mais duas revistas íntimas. Nenhuma prova foi apreendida em decorrência das revistas íntimas. Na residência, por sua vez, apreenderam-se drogas, dinheiro e pesticidas. 4. Conforme bem pontuaram as instâncias ordinárias, são ilícitas as três revistas íntimas a que foi submetida, desnecessária e injustificadamente, a acusada, de modo a configurar grave violação à dignidade da pessoa humana por agentes de Estado. Entretanto, a despeito da manifesta gravidade da ilicitude das três revistas íntimas, tal ilicitude não tem por consequência a inadmissibilidade de todas as provas colhidas durante a execução do mandado de busca domiciliar, em razão da inexistência de nexo de causalidade entre o meio de obtenção de prova declarado ilícito e as provas mencionadas. 5. A inexistência de nexo causal entre as revistas íntimas ilícitas e as provas apreendidas pode ser mais bem evidenciada a partir de um juízo hipotético de eliminação, típico da apuração da causalidade simples (causa como conditio sine qua non do evento): se as revistas íntimas não tivessem sido realizadas, ainda assim as provas incriminatórias (as drogas, o dinheiro e os pesticidas) teriam sido produzidas, pois elas foram encontradas no interior na residência (em decorrência da busca domiciliar), e não no corpo da acusada (em decorrência das revistas íntimas). 6. Mesmo em relação à revista íntima realizada no interior da residência, vale destacar que, de acordo com o art. 244 do CPP, é admissível a execução de busca pessoal incidental à busca domiciliar, independentemente de mandado prévio. Todavia, eventual ilegalidade na execução da busca pessoal incidental não acarreta, por derivação, a ilegalidade de toda a busca domiciliar. 7. Recurso especial provido para reconhecer a violação do art. 157, § 1º, do CPP e, consequentemente, determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que, superada a questão atinente à inadmissibilidade das provas, prossiga no julgamento do recurso de apelação ministerial. Determinação de comunicação à Corregedoria da Polícia Civil do Estado do Rio Grande do Sul para a apuração de ilícito funcional, sem prejuízo da comunicação ao Ministério Público já determinada pelas instâncias ordinárias. (REsp n. 2.159.111/RS, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 6/5/2025, DJEN de 14/5/2025.)
INFORMAÇÕES ADICIONAIS:
Legislação
Constituição Federal, art. 5º, LVI;
Código de Processo Penal (CPP), art. 157, §§ 1º e 2º e art. 244.
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Fonte: Informativo de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) – Edição nº 854, de 17 de junho de 2025 (leia aqui).
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