STJ: ausência de tese defensiva em ata que sustente a absolvição autoriza a anulação e a realização de novo júri
No EDcl no AREsp 2.802.065-PR, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), decidiu que “a ausência de tese defensiva registrada em ata que justifique a absolvição por clemência ou outra causa correlata, aliada à contradição entre as respostas dos jurados, autoriza a anulação do julgamento e a realização de novo júri”.
Informações do inteiro teor:
A questão consiste em saber se há contradição entre as respostas dos jurados que, ao reconhecerem a materialidade e autoria do crime de homicídio qualificado, absolvem o acusado no quesito genérico, sem que houvesse tese defensiva diversa da negativa de autoria ou desclassificação, nem pedido de clemência.
Com o advento da Lei n. 11.689/2008, a sistemática de quesitação no Tribunal do Júri sofreu significativa alteração, com vistas a facilitar o julgamento e reduzir as chances de ocorrerem nulidades. A principal alteração promovida diz respeito ao quesito trazido no art. 483, inciso III, do Código de Processo Penal, sendo imprescindível questionar aos jurados “se o acusado deve ser absolvido”, ainda que a resposta aos quesitos anteriores, relativos à materialidade e à autoria, tenha sido afirmativa.
Sobre o tema, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar o HC 23.409/RJ, em julgamento realizado em 28/2/2018, firmou entendimento no sentido de que a decisão de clemência será passível de revisão pelo Tribunal de origem quando não houver respaldo fático mínimo nos autos que dê suporte à benesse.
No caso, o Tribunal de origem entendeu não haver contradição entre as respostas positivas dos jurados quanto à materialidade e à autoria delitivas e a conclusão pela absolvição, embora as teses defensivas registradas em ata se limitassem à negativa de autoria e à desclassificação (para lesão corporal seguida de morte, para homicídio privilegiado ou para homicídio simples).
Contudo, tal entendimento encontra-se em dissonância com a jurisprudência do STJ, pois se as teses da defesa se limitaram à negativa de autoria e à desclassificação da conduta, a absolvição reconhecida pelos jurados, no terceiro quesito (obrigatório) conflita com a resposta afirmativa dos leigos para os dois primeiros quesitos (EDcl no AgRg no HC 695.442/SP, Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe de 12/11/2021).
Nesse sentido, forçoso reconhecer-se que “[s]e a valoração dos elementos probatórios pelo Conselho de Sentença aponta ser o agravante o autor do delito, torna-se manifestamente contrária a esta mesma prova a sua absolvição, se não há qualquer argumento defensivo outro que não a negativa de autoria” (AgRg no AREsp 667.441/AP, Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe de 22/4/2019).
Dessa forma, caso não se verifique a existência de tese defensiva diversa da negativa de autoria ou da desclassificação, tampouco pedido de clemência, há evidente contradição nas respostas dos jurados que, embora respondam afirmativamente aos dois primeiros quesitos – reconhecendo a materialidade e a autoria -, decidam por absolver o acusado no terceiro quesito.
Leia a ementa:
DIREITO PROCESSUAL PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. TRIBUNAL DO JÚRI. CONTRADIÇÃO ENTRE RESPOSTAS DOS QUESITOS. ABSOLVIÇÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. EFEITOS INFRINGENTES. RECURSO PROVIDO. I. Caso em exame 1. Embargos de declaração opostos pelo Ministério Público contra acórdão que conheceu do agravo para conhecer em parte do recurso especial, e, nesta extensão, negar-lhe provimento, alegando omissão, obscuridade e contradição no acórdão embargado. 2. O embargante sustenta contradição jurídico-aparente nas respostas dos jurados do Tribunal do Júri, que, apesar de reconhecerem a materialidade e autoria do crime de homicídio qualificado, absolveram o acusado no quesito genérico, sem que houvesse tese defensiva diversa da negativa de autoria ou desclassificação, tampouco pedido de clemência. 3. O Tribunal de origem manteve a absolvição dos agravados, entendendo que os jurados são livres para decidir com base em sua íntima convicção, desde que haja respaldo probatório mínimo nos autos. 4. O embargante invoca o Tema 1.087 do STF, que admite recurso de apelação com base no art. 593, III, “d”, do CPP, quando a decisão do Tribunal do Júri for manifestamente contrária à prova dos autos, desde que não haja tese defensiva registrada em ata que justifique a absolvição. II. Questão em discussão 5. A questão em discussão consiste em saber se houve omissão, contradição ou obscuridade no acórdão embargado quanto à tese de que há contradição entre as respostas dos jurados que, ao reconhecerem a materialidade e autoria do crime de homicídio qualificado, absolveram o acusado no quesito genérico, sem que houvesse tese defensiva diversa da negativa de autoria ou desclassificação, nem pedido de clemência. III. Razões de decidir 6. A decisão do Tribunal do Júri, que absolve o acusado no quesito genérico após reconhecer a materialidade e autoria do crime, sem respaldo em tese defensiva diversa da negativa de autoria ou da desclassificação ou, ainda, em pedido de clemência, é manifestamente contrária à prova dos autos. 7. A soberania dos veredictos não é absoluta, sendo possível a anulação de decisão do Tribunal do Júri quando esta for manifestamente dissociada do contexto probatório. 8. A ausência de tese defensiva registrada em ata que justifique a absolvição por clemência ou outra causa correlata, aliada à contradição entre as respostas dos jurados, autoriza a anulação do julgamento e a realização de novo júri. IV. Dispositivo e tese 9. Resultado do Julgamento: Embargos de declaração acolhidos, com efeitos infringentes, para conhecer do agravo e conhecer em parte do recurso especial, e, nesta extensão, dar-lhe provimento para anular o julgamento proferido pelo Tribunal do Júri, determinando a realização de novo júri. Tese de julgamento: 1. A decisão do Tribunal do Júri que absolve o acusado no quesito genérico, após reconhecer a materialidade e autoria do crime, sem respaldo em tese defensiva diversa diversa da negativa de autoria ou da desclassificação ou, ainda, em pedido de clemência, é manifestamente contrária à prova dos autos e passível de anulação. 2. A soberania dos veredictos não é absoluta, sendo possível a anulação de decisão do Tribunal do Júri quando esta for manifestamente dissociada do contexto probatório. 3. A ausência de tese defensiva registrada em ata que justifique a absolvição por clemência ou outra causa correlata, aliada à contradição entre as respostas dos jurados, autoriza a anulação do julgamento e a realização de novo júri. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XXXVIII, “c”; CF/1988, art. 93, IX; CPP, art. 483, III; CPP, art. 593, III, “d”. Jurisprudência relevante citada: STF, Tema 1.087 de repercussão geral (ARE 1.225.185/MG); STJ, HC 323.409/RJ, Min. Felix Fischer, Terceira Seção, julgado em 28.02.2018; STJ, AgRg no AgRg no AREsp 2.452.912/SC, Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 17.12.2024; STJ, AgRg no REsp 2.113.879/MG, Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 18.06.2024. (EDcl no AREsp n. 2.802.065/PR, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 11/11/2025, DJEN de 19/11/2025.)
INFORMAÇÕES ADICIONAIS:
Legislação
Código de Processo Penal (CPP), art. 483, inciso III
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Fonte: Informativo de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) – Edição nº 873, de 9 de dezembro de 2025 (leia aqui).
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