STJ: apreensão de droga junto com ácido bórico não implica tráfico
No AgRg no AREsp 2.271.420-MG, julgado em 27/6/2023, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que “a apreensão de pequenas quantidades de droga junto com o ácido bórico não implica, necessariamente, a conduta tipificada no art. 33 da Lei n. 11.343/2006”.
Informações do inteiro teor:
No caso analisado, o agravante foi condenado como incurso no art. 33, § 1º, inciso I, da Lei nº 11.343/2006 porque portava, em via pública, 0,32 g de crack e 164,80 g de ácido bórico.
A posse de ácido bórico, por si só, é um indiferente penal, haja vista que é largamente utilizado para fins lícitos, como tratamentos de saúde, desinsetização, adubamento ou retardação de chamas, podendo ser adquirido com relativa facilidade em farmácias ou lojas de insumos para agricultura, em preparações que vão de 50 g até 1 kg.
Não se está a ignorar que o ácido bórico seja utilizado, também, para os fins de preparação de drogas ilícitas. Ocorre que, nesses casos, a condenação deve se pautar em outros elementos que apontem, de modo inequívoco, para a traficância, como a apreensão de consideráveis quantidades de droga, balanças de precisão, embalagens plásticas, somas de dinheiro etc.
Presumir, nas circunstâncias dos autos, que a conduta constituiu tráfico de drogas, pelo simples fato de o réu portar ácido bórico e pequena quantidade de crack, importa em ignorar a realidade social que, nos termos do § 2º do art. 28 da Lei nº 11.343/2006, deveria ter sido avaliada para os fins de determinar se o entorpecente encontrado se destinava ao consumo pessoal.
Em 2016, pesquisadoras da Fiocruz, da Universidade Federal de Pernambuco e da Universidade Federal de São Paulo entrevistaram 1.062 usuários de crack e observaram que 54,3% deles já haviam utilizado o chamado “pó virado”, consistente na mistura de crack ao ácido bórico para os fins de consumo pela via nasal. Em outro estudo, pesquisadoras observaram que a preparação do “pó virado” é feita pelos próprios usuários, em grupos e de forma compartilhada, a fim de obter efeito mais duradouro e, consequentemente, menores níveis de fissura e paranoia decorrentes do uso da droga. Além disso, não raro o “pó virado” era uma alternativa para os usuários de cocaína que precisavam lidar com a abstinência diante da impossibilidade de obter sua droga de escolha.
Diante desses achados, é preciso cuidado redobrado ao avaliar se a conduta de portar drogas e ácido bórico deve ser tipificada como tráfico de drogas ou posse de drogas para uso pessoal. “IX – Na hipótese dos autos, a pequena quantidade da droga apreendida (0,32 g de crack), bem como a ausência de outros elementos caracterizadores da traficância, levam à conclusão de que os fatos se ajustam melhor ao disposto no art. 28 da Lei nº 11.343/2006”.
Os precedentes do Superior Tribunal de Justiça já reconheceram que a apreensão de pequenas quantidades de droga junto com o ácido bórico não implica, necessariamente, a conduta tipificada no art. 33 da Lei nº 11.343/2006, e que é possível caracterizar a posse de drogas para uso pessoal em circunstâncias envolvendo a apreensão de entorpecentes em quantidade superior à dos autos.
Convém destacar, ainda, que o agravante possuía duas anotações por posse de drogas para uso pessoal em sua folha de antecedentes e que, inicialmente, os primeiros agentes de segurança pública que tiveram contato com os fatos não identificaram elementos caracterizadores de traficância.
Informações adicionais:
LEGISLAÇÃO
Lei n. 11.343/2006, arts. 28 e 33
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Fonte: Informativo de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) – Edição extraordinária nº 13 – veja aqui.
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