STJ: a validade da prova obtida por cooperação internacional depende da lei do país de origem
No Processo em segredo de justiça, julgado em 6/5/2025, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), decidiu que “a prova obtida por meio de cooperação internacional em matéria penal deve ter como parâmetro de validade a lei do Estado no qual foi produzida, nos termos do art. 13 da LINDB, podendo, contudo, não ser admitida no processo em curso no território nacional se o meio de sua obtenção violar a ordem pública, a soberania nacional e os bons costumes brasileiros”.
Informações do inteiro teor:
A controvérsia tem origem em denúncia por crimes de lavagem de ativos e tráfico de entorpecentes praticados por organização criminosa transnacional. A defesa sustenta a ilicitude das provas digitais obtidas por meio do aplicativo SKY ECC e a partir de cooperação jurídica internacional entre o Brasil e a França, notadamente porque não haveria comprovação de prévia autorização do Poder Judiciário francês para a extração dessas informações. Alega ainda que tais elementos seriam essenciais e necessários para demonstrar a licitude na obtenção da prova e a garantia da cadeia de custódia.
A prova questionada foi trazida aos autos depois de regular procedimento de cooperação jurídica internacional por auxílio direto entre os países, estabelecida nos termos do Acordo de Cooperação Judiciária em Matéria Penal entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Francesa, celebrado em Paris, em 28/5/1998, e promulgado no Brasil por meio do Decreto n. 3.324/1999.
Embora não aportada aos autos a decisão judicial que teria amparado a coleta da prova, o cumprimento da medida solicitada foi direcionado a autoridades judiciárias que, por sua vez, conduziram a diligência para efetiva execução, em observância às normas daquele país.
Os dados do SKY ECC foram obtidos regularmente, mediante cooperação jurídica internacional judicialmente autorizada em processo, ao qual a defesa tem acesso, com base no referido Acordo de Cooperação. Nos documentos enviados pelas autoridades francesas, é possível depreender que as provas foram coletadas de acordo com a legislação do país solicitado.
No caso, não foi apresentada nenhuma prova concreta para afastar a presunção de legalidade advinda da adoção do procedimento formal para trânsito de provas entre a França e o Brasil. Em acréscimo, todo o material recebido via cooperação jurídica com autoridade estrangeira foi devidamente acostado aos autos e disponibilizado às partes, inclusive via link para acesso em nuvem administrada pela Justiça Federal. Ainda, o acesso às provas digitalizadas foi franqueado de forma adequada à defesa.
Havendo suspeita de que os dados enviados ao Brasil não seriam os mesmos colhidos na França, caberia à defesa demonstrar, ainda que indiciariamente, em que se basearia tal suspeita. O recebimento da documentação probatória por meio de cooperação internacional, a qual se sustenta no princípio da boa-fé das autoridades envolvidas, reforça ainda mais a fidedignidade da prova.
Em matéria de cooperação internacional penal, vigora o princípio da lex diligentiae, como afirmado explicitamente na primeira parte do art. 13 da LINDB: “a prova dos fatos ocorridos em país estrangeiro rege-se pela lei que nele vigorar, quanto ao ônus e aos meios de produzir-se”.
Assim, a prova colhida na França seguirá as regras lá vigentes. Ainda que tais provas sejam posteriormente compartilhadas com outro país, as regras legais deste não são aplicáveis retroativamente à colheita anterior da prova. Mesmo em cooperação jurídica internacional, seguem-se as leis e as regras do local de produção do ato. Impor as leis e as regras do país requerente aos procedimentos adotados no país requerido implicaria, em última análise, violar a soberania do país requerido.
Por haver a documentação sido obtida de forma regular no país que se encarregou das primeiras investigações (França), em obediência à lei local, e posteriormente sido entregue às autoridades brasileiras para embasar – ou simplesmente complementar – investigações criminais que aqui já estavam em curso, não existe nenhum impedimento à utilização dessas provas no processo.
Nesse sentido, não é cabível que se pretenda que a Justiça brasileira se debruce a examinar a legalidade de atos jurídicos internos praticados na República Francesa. As autoridades do país requerente, inclusive as judiciais, não têm nenhum poder de controle ou de ingerência sobre os atos praticados no país requerido. Irrelevante, portanto, a alegação de nulidade da prova sob o argumento de que não há decisão judicial francesa que explique como se deu a operação policial de captura dos dados do SKY ECC ou que informe os meios de obtenção dessa fonte de prova.
Ademais, o acesso ao conteúdo de conversações do aplicativo SKY ECC, ainda que no Brasil seja considerado sigiloso, de acordo com as leis locais, não é suficiente para violar a ordem pública ou a soberania nacional, de que somente se poderia cogitar se a obtenção dessas informações tivesse ocorrido de modo ilícito na França, o que não ficou inequivocamente demonstrado no caso.
INFORMAÇÕES ADICIONAIS:
Legislação
Decreto-Lei 4.657/1942 (LINDB), art. 13.
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Fonte: Informativo de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) – Edição nº 854, de 17 de junho de 2025 (leia aqui).
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