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Evinis Talon

Quem nunca pensou em desistir do Direito?

06/05/2017

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A área jurídica é cheia de altos e baixos. Comemoramos decisões favoráveis e lamentamos a impossibilidade de acessar os autos de um processo. Festejamos o fechamento de um contrato de honorários, mas nos estressamos com clientes que não nos pagam. Celebramos a possibilidade de ombrear com colegas realmente comprometidos com as carreiras jurídicas, mas nos deparamos com “colegas” que, de modo estratégico e sorrateiro – tentando captar os clientes alheios –, dizem aos nossos clientes frases como “eu teria feito de outra forma” ou “acho que ele errou aqui”.

Provavelmente todos já pensaram em desistir da área jurídica ou, no mínimo, passaram por algum fato extremamente desanimador. Se isso ainda não ocorreu, esse(a) sortudo(a) passará, cedo ou tarde, por algo decepcionante na vida acadêmica ou na carreira profissional.

Lembro-me de um fato que ocorreu na primeira semana de aulas na graduação. Após a primeira noite de aula, fui à biblioteca da faculdade procurar os livros indicados pelo professor de uma daquelas disciplinas iniciais (Filosofia, Sociologia, Economia etc.).

Coincidentemente, o professor estava saindo da biblioteca. Abordei-o e perguntei qual era o melhor livro entre aqueles indicados por ele no plano de aula. Para a minha surpresa, a resposta foi: “não cheguei a ler esses livros. Precisei indicar uma bibliografia para fechar o plano de aula. Mas para a nossa prova você pode estudar apenas o que eu ditar durante as aulas.”

Pois bem. Foi a primeira vez que percebi que professores indicam livros que nunca leram. Além disso, fiquei preocupado com o fato de que o objetivo do professor era apenas que eu fosse bem na avaliação, pouco importando se aprenderia ou não a disciplina.

Nesse momento, um aluno, ainda desanimado com a ausência de disciplinas jurídicas, começa a se questionar se ainda daria tempo de escolher outro curso, como Medicina, Engenharia e Física. Enfim, qualquer outro curso em que o objetivo seja aprender e se tornar um bom profissional, e não apenas fornecer algumas informações aleatórias e desconexas com a atividade profissional, tentando moldar um bom “marcador de X”.

Aliás, sobre informações aleatórias, lembro-me de dois professores de Direito Penal (Parte Especial). Um deles dedicou o mesmo tempo a cada tipo penal, abordando crimes relevantes e cotidianos (como furto e roubo) na mesma duração de outros crimes que raramente ocorrem. Evidentemente, limitou-se a ler a legislação, sem muitos comentários. O outro professor escolheu dois ou três tipos penais e passou o semestre abordando-os, ignorando totalmente outros crimes que, conquanto não tão frequentes, também fazem parte da realidade dos profissionais que atuam na área criminal, especialmente na Justiça Federal.

Durante essas aulas, percebi que, em algumas disciplinas, a faculdade nem preenche a formalidade de “seguir o conteúdo do plano de aula”, como tentava fazer desidiosamente o professor mencionado no início.

Para quem não tem familiares na área jurídica, a vontade de desistir é muito maior, pois o ambiente é inóspito. Há colegas de faculdade que, no primeiro semestre, já estão estagiando no escritório de Advocacia do tio ou conseguem um estágio não remunerado com o primo Promotor.

Na vida docente, já me decepcionei com um convite de uma universidade – que divulga ostensivamente aqueles rankings de instituição que mais aprova em alguma coisa ou que tem a melhor nota em alguma outra coisa – que queria um professor de Direito Processual Civil. Expliquei que nunca pesquisei nesta área, tampouco tenho algum título acadêmico no âmbito do Processo Civil. Insistiram bastante, mas não aceitei. Durante três ou quatro semestres, continuei recebendo e negando esse convite. Jamais aceitaria ser professor de uma disciplina para a qual não me considero apto.

De qualquer sorte, angustiava-me receber aqueles e-mails e ligações. Por que uma faculdade aceitaria inserir no seu corpo docente alguém que pouco sabe sobre a disciplina?

Por outro lado, percebia uma briga intensa para ver quem inseria mais linhas no currículo Lattes. Coautorias estrategicamente formadas para que um autor escrevesse um artigo e tivesse a publicação de dois (um inseria o nome do outro no artigo que produziu), competições para publicar na melhor revista que ninguém lê – pois o objetivo era inserir no Lattes, e não ser lido – e textos sem inovação ou especificidade, como “os direitos sociais no Brasil” ou “a jurisdição constitucional no Brasil”, porque é mais fácil encontrar citações genéricas, o que possibilita o preenchimento das 15 ou 20 páginas necessárias.

Comecei a questionar a vida acadêmica e docente. Resumindo, há faculdades que enganam os alunos com professores que não estudam ou atuam na área em que lecionam e, concomitantemente, há pesquisadores que buscam atalhos para chegarem ao maior número possível de linhas no Lattes, ainda que ninguém os leia ou o texto seja apenas uma “coletânea” de citações genéricas de outros autores.

O único fator que me manteve na docência e me impediu de desistir de lecionar foi a possibilidade de falar para os alunos sobre as áreas que eu realmente amo, pesquiso e atuo (Direito Penal, Processo Penal e Execução Penal).

Na Advocacia, a vontade de desistir da área jurídica aparece em inúmeros momentos. Um desses casos refere-se aos clientes que não pagam os honorários contratados. Também há “clientes” que tiram dúvidas, dizem que voltarão no dia seguinte para pagar a consulta e nunca voltam. Por fim, há “clientes” que tentam obter o máximo possível de informações com todos os advogados possíveis e, em seguida, procuram um Advogado que cobre menos de 10% da tabela da OAB (ou dois sacos de cimento), passando-lhe tudo que ouviu de outros profissionais.

Já vi Juiz que demorou meses para deferir uma tutela antecipada para fornecimento de medicamentos. Irritava-me ver que uma pessoa pobre estava doente e sem medicamento, enquanto o Juiz trabalhava tranquilamente terça, quarta e quinta. Como ele conseguia dormir sabendo que estava desonrando a toga?

Os profissionais do Direito não se respeitam. Confundem combatividade com gritaria, deboche, piadinhas e desrespeito.

Aliás, no mundo jurídico, você sempre será criticado, como já escrevi em outro artigo (leia aqui). Já sofri críticas por trabalhar muito (“não tem vida social”), por me dedicar à vida acadêmica (“está tentando aumentar o currículo para procurar emprego?”), por pedir exoneração de um cargo público para empreender na iniciativa privada (“vai virar comerciante?”) e por atuar na área criminal (“você defende bandido? Inclusive estuprador?”).

Nos momentos anteriormente citados e em vários outros, pensei em desistir do Direito. Se pararmos para pensar, há inúmeros motivos para alguém desistir da problemática área jurídica. Entretanto, há apenas um ínfimo – porém decisivo – motivo para permanecer: é o que queremos para as nossas vidas!

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Evinis Talon é Advogado Criminalista com atuação no Brasil inteiro, com 12 anos de experiência na defesa penal, professor de cursos de mestrado e doutorado com experiência de 11 anos na docência, Doutor em Direito Penal pelo Centro de Estudios de Posgrado (México), Doutorando pela Universidade do Minho (Portugal – aprovado em 1º lugar), Mestre em Direito (UNISC), Máster en Derecho Penal (Universidade de Sevilha), Máster en Derecho Penitenciario (Universidade de Barcelona), Máster en Derecho Probatorio (Universidade de Barcelona), Máster en Derechos Fundamentales (Universidade Carlos III de Madrid), Máster en Política Criminal (Universidade de Salamanca), especialista em Direito Penal, Processo Penal, Direito Constitucional, Filosofia e Sociologia, autor de 7 livros, ex-Defensor Público do Rio Grande do Sul (2012-2015, pedindo exoneração para advogar. Aprovado em todas as fases durante a graduação), palestrante que já participou de eventos em 3 continentes e investigador do Centro de Investigação em Justiça e Governação (JusGov) de Portugal. Citado na jurisprudência de vários tribunais, como TRF1, TJSP, TJPR, TJSC, TJGO, TJMG, TJSE e outros.

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