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Evinis Talon

Qual é a vulnerabilidade no crime de estupro de vulnerável?

03/03/2018

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Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça definiu o entendimento sobre estupro de vulnerável por meio da súmula 593, que afirma:

O crime de estupro de vulnerável configura-se com a conjunção carnal ou prática de ato libidinoso com menor de 14 anos, sendo irrelevante o eventual consentimento da vítima para a prática do ato, experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o agente.

Dessa forma, de acordo com a súmula, o crime de estupro de vulnerável depende somente da conjunção carnal ou da prática de ato libidinoso com menor de 14 anos, não havendo a necessidade de aferir, no caso concreto, outros elementos quanto à vítima, como o seu consentimento, a sua experiência sexual ou o seu relacionamento com o agente.

Presume-se, nesses casos, que toda vítima menor de 14 anos é vulnerável.

A súmula 593 do STJ apenas consolidou um entendimento que já vinha sendo aplicado. A título de exemplo, cita-se o julgamento do seguinte recurso repetitivo:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSAMENTO SOB O RITO DO ART. 543-C DO CPC. RECURSO REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. VÍTIMA MENOR DE 14 ANOS. FATO POSTERIOR À VIGÊNCIA DA LEI 12.015/09. CONSENTIMENTO DA VÍTIMA. IRRELEVÂNCIA. ADEQUAÇÃO SOCIAL. REJEIÇÃO. PROTEÇÃO LEGAL E CONSTITUCIONAL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça assentou o entendimento de que, sob a normativa anterior à Lei nº 12.015/09, era absoluta a presunção de violência no estupro e no atentado violento ao pudor (referida na antiga redação do art. 224, “a”, do CPB), quando a vítima não fosse maior de 14 anos de idade, ainda que esta anuísse voluntariamente ao ato sexual (EREsp 762.044/SP, Rel. Min. Nilson Naves, Rel. para o acórdão Ministro Felix Fischer, 3ª Seção, DJe 14/4/2010). 2. No caso sob exame, já sob a vigência da mencionada lei, o recorrido manteve inúmeras relações sexuais com a ofendida, quando esta ainda era uma criança com 11 anos de idade, sendo certo, ainda, que mantinham um namoro, com troca de beijos e abraços, desde quando a ofendida contava 8 anos. 3. Os fundamentos empregados no acórdão impugnado para absolver o recorrido seguiram um padrão de comportamento tipicamente patriarcal e sexista, amiúde observado em processos por crimes dessa natureza, nos quais o julgamento recai inicialmente sobre a vítima da ação delitiva, para, somente a partir daí, julgar-se o réu. 4. A vítima foi etiquetada pelo “seu grau de discernimento”, como segura e informada sobre os assuntos da sexualidade, que “nunca manteve relação sexual com o acusado sem a sua vontade”. Justificou-se, enfim, a conduta do réu pelo “discernimento da vítima acerca dos fatos e o seu consentimento”, não se atribuindo qualquer relevo, no acórdão vergastado, sobre o comportamento do réu, um homem de idade, então, superior a 25 anos e que iniciou o namoro – “beijos e abraços” – com a ofendida quando esta ainda era uma criança de 8 anos. 5. O exame da história das ideias penais – e, em particular, das opções de política criminal que deram ensejo às sucessivas normatizações do Direito Penal brasileiro – demonstra que não mais se tolera a provocada e precoce iniciação sexual de crianças e adolescentes por adultos que se valem da imaturidade da pessoa ainda em formação física e psíquica para satisfazer seus desejos sexuais. 6. De um Estado ausente e de um Direito Penal indiferente à proteção da dignidade sexual de crianças e adolescentes, evoluímos, paulatinamente, para uma Política Social e Criminal de redobrada preocupação com o saudável crescimento, físico, mental e emocional do componente infanto-juvenil de nossa população, preocupação que passou a ser, por comando do constituinte (art. 226 da C.R.), compartilhada entre o Estado, a sociedade e a família, com inúmeros reflexos na dogmática penal. 7. A modernidade, a evolução moral dos costumes sociais e o acesso à informação não podem ser vistos como fatores que se contrapõem à natural tendência civilizatória de proteger certos segmentos da população física, biológica, social ou psiquicamente fragilizados. No caso de crianças e adolescentes com idade inferior a 14 anos, o reconhecimento de que são pessoas ainda imaturas – em menor ou maior grau – legitima a proteção penal contra todo e qualquer tipo de iniciação sexual precoce a que sejam submetidas por um adulto, dados os riscos imprevisíveis sobre o desenvolvimento futuro de sua personalidade e a impossibilidade de dimensionar as cicatrizes físicas e psíquicas decorrentes de uma decisão que um adolescente ou uma criança de tenra idade ainda não é capaz de livremente tomar. 8. Não afasta a responsabilização penal de autores de crimes a aclamada aceitação social da conduta imputada ao réu por moradores de sua pequena cidade natal, ou mesmo pelos familiares da ofendida, sob pena de permitir-se a sujeição do poder punitivo estatal às regionalidades e diferenças socioculturais existentes em um país com dimensões continentais e de tornar írrita a proteção legal e constitucional outorgada a específicos segmentos da população. 9. Recurso especial provido, para restabelecer a sentença proferida nos autos da Ação Penal n. 0001476-20.2010.8.0043, em tramitação na Comarca de Buriti dos Lopes/PI, por considerar que o acórdão recorrido contrariou o art. 217-A do Código Penal, assentando-se, sob o rito do Recurso Especial Repetitivo (art. 543-C do CPC), a seguinte tese: Para a caracterização do crime de estupro de vulnerável previsto no art. 217-A, caput, do Código Penal, basta que o agente tenha conjunção carnal ou pratique qualquer ato libidinoso com pessoa menor de 14 anos. O consentimento da vítima, sua eventual experiência sexual anterior ou a existência de relacionamento amoroso entre o agente e a vítima não afastam a ocorrência do crime. (STJ, REsp 1480881/PI, Terceira Seção, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, julgado em 26/08/2015)

No entanto, há margem para questionar essa presunção absoluta de vulnerabilidade.

É importante a discussão a respeito do tema, pois, caso se entenda que a vulnerabilidade pode ser relativizada em determinados casos, estar-se-á possibilitando o reconhecimento de que se trata de conduta atípica (em caso de consentimento do menor de 14 anos).

Nesse esteio, questiona-se se, nos casos em que a vítima já tem experiência sexual ou mantém relacionamento amoroso com o acusado, haveria violação ou não ao bem jurídico tutelado pelo tipo penal do art. 217-A do Código Penal.

Sobre o tema, observa-se a existência de duas correntes.

Um primeiro entendimento interpreta a vulnerabilidade do menor de 14 anos como absoluta, da mesma forma que o entendimento do STJ. Nesse caso, o consentimento da vítima não seria relevante.

O outro entendimento defende que deve ser analisado o caso concreto e investigada a condição da vítima (maturidade, experiência sexual, relacionamento com o agente etc). Como exemplo desse entendimento, cita-se a seguinte decisão:

APELAÇÃO CRIME. CRIMES CONTRA A LIBERDADE SEXUAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. RELAÇÃO DE NAMORO ENTRE VÍTIMA E RÉU. RELATIVIZAÇÃO DO CONCEITO DE VULNERABILIDADE. ABSOLVIÇÃO MANTIDA, POR FUNDAMENTO DIVERSO. Os elementos de convicção constantes dos autos demonstram que a vítima (com 12 anos de idade) e o denunciado (com 22 anos de idade) mantiveram relacionamento amoroso e sexual por determinado período. Tal conduta, em tese, subsume-se ao disposto no art. 217-A do Código Penal. No entanto, a vulnerabilidade da vítima não pode ser entendida de forma absoluta simplesmente pelo critério etário – o que configuraria hipótese de responsabilidade objetiva -, devendo ser mensurada em cada caso trazido à apreciação do Poder Judiciário, à vista de suas particularidades. Afigura-se factível, assim, sua relativização nos episódios envolvendo adolescentes. Na hipótese dos autos, a prova angariada revela que as relações ocorreram de forma voluntária e consentida, fruto de aliança afetiva. Aponta também que a ofendida apresentava certa experiência em assuntos sexuais. A análise conjunta de tais peculiaridades permite a relativização de sua vulnerabilidade. Como consequência, a conduta descrita na inicial acusatória não se amolda a qualquer previsão típica, impondo-se a absolvição do réu com base no art. 386, III, do Código de Processo Penal (fundamento diverso ao constante da sentença). APELAÇÃO DESPROVIDA. (TJ/RS, Sétima Câmara Criminal, Apelação Crime Nº 70044569705, Rel. Naele Ochoa Piazzeta, julgado em 20/10/2011)

Na decisão acima, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul considerou que entender pela vulnerabilidade absoluta no crime de estupro de vulnerável seria uma forma de responsabilidade absoluta, baseada unicamente no critério etário.

Vale lembrar que a súmula 593 do STJ não é vinculante, isto é, ela pode ser superada até mesmo por meio de uma decisão de um Juiz de primeiro grau. Logo, para quem defende a tese de que se trata de vulnerabilidade relativa, ainda é possível questionar o entendimento sumulado e sustentar a atipicidade da conduta, dependendo do caso concreto.

Texto sugerido por Jorge Lucena, estudante do 4º período, de Bom Jardim/PE. Você também pode sugerir algum texto (clique aqui).

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Evinis Talon é Advogado Criminalista com atuação no Brasil inteiro, com 12 anos de experiência na defesa penal, professor de cursos de pós-graduação com experiência de 11 anos na docência, Doutorando em Direito Penal pelo Centro de Estudios de Posgrado (México), Doutorando pela Universidade do Minho (Portugal – aprovado em 1º lugar), Mestre em Direito (UNISC), Máster en Derecho Penal (Universidade de Sevilha), Máster en Derecho Penitenciario (Universidade de Barcelona), Máster en Derecho Probatorio (Universidade de Barcelona), Máster en Derechos Fundamentales (Universidade Carlos III de Madrid), Máster en Política Criminal (Universidade de Salamanca – cursando), especialista em Direito Penal, Processo Penal, Direito Constitucional, Filosofia e Sociologia, autor de 7 livros, ex-Defensor Público do Rio Grande do Sul (2012-2015, pedindo exoneração para advogar. Aprovado em todas as fases durante a graduação), palestrante que já participou de eventos em 3 continentes e investigador do Centro de Investigação em Justiça e Governação (JusGov) de Portugal. Citado na jurisprudência de vários tribunais, como TRF1, TJSP, TJPR, TJSC, TJGO, TJMG, TJSE e outros.

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