O que o Juiz “pode” fazer de ofício no Processo Penal? (parte 2)
Continuando o texto do artigo anterior (leia aqui), apresento outras hipóteses legalmente previstas de atuação de ofício do Magistrado.
O art. 168 do Código de Processo Penal (CPP) prevê a possibilidade de que o Juiz, de ofício, determine a realização de exame complementar, no caso de lesões corporais, se o primeiro exame pericial tiver sido incompleto.
No art. 185, §2º, do CPP, observa-se que é possível, excepcionalmente, ao Juiz, de ofício, realizar o interrogatório do réu preso por sistema de videoconferência ou outro recurso tecnológico, desde que a medida seja necessária para atender a uma das finalidades previstas no mencionado dispositivo legal.
Ademais, também no que se refere ao interrogatório, o Juiz, de ofício, a todo tempo, poderá realizá-lo novamente (art. 196 do CPP).
Também é permitida a tomada antecipada do depoimento de testemunha pelo Juiz, independentemente de requerimento (art. 225 do CPP). Trata-se de dispositivo discutível, considerando que o interesse na produção da prova deve ser da parte (acusação ou defesa), e não do Juiz. De qualquer forma, não se desconsidera que o Magistrado é o destinatário da prova. Assim, o nosso CPP privilegiou a preservação da produção da prova pelo seu destinatário, e não apenas em virtude do interesse das partes.
O art. 242 do CPP institui a busca determinada de ofício pelo Juiz.
Por sua vez, o art. 282, §2º, do CPP estabelece a criticável possibilidade de que o Juiz, durante o processo, decrete, de ofício, medidas cautelares, podendo, da mesma forma, substituir a medida, impor outra em cumulação ou, em último caso, decretar a prisão preventiva (art. 282, §4º, do CPP). Aliás, o art. 311 do CPP estabelece o cabimento da prisão preventiva decretada pelo Juiz, de ofício, se no curso da ação penal. O art. 378, I, do CPP, seguindo a mesma linha, disciplina a aplicação provisória, de ofício, de medida de segurança.
Considero que os dispositivos legais que possibilitam ao Juiz a decretação de prisão preventiva ou de medidas diversas da prisão são incompatíveis com o sistema acusatório previsto no art. 129, I, da Constituição Federal. Ora, se cabe ao Ministério Público a titularidade da ação penal, não é possível que o Magistrado, sem o requerimento da parte com atribuição para o exercício da pretensão acusatória, determine o encarceramento cautelar do acusado.
O fato dessa possibilidade vir prevista apenas em relação ao processo, quando já houve a promoção da denúncia pelo Ministério Público, não transfere – ou subestabelece – ao Juiz a possibilidade de exercer funções da parte acusadora ou que objetivem transformar o processo penal em instrumento da segurança pública.
Quanto ao art. 404 do CPP, há uma previsão de que o Juiz poderá ordenar, de ofício, diligência considerada imprescindível. Trata-se, novamente, de uma previsão incompatível com a Constituição Federal. A questão é simples: se o Juiz tem dúvida sobre a autoria ou a materialidade, deverá absolver o réu, com fulcro no art. 386, VII, do CPP. Se a dúvida é sobre algum elemento fático relativo a uma qualificadora, agravante ou causa de aumento de pena, aplica-se o mesmo entendimento, devendo o Magistrado deixar de aplicá-la.
A única interpretação desse dispositivo legal que se compatibiliza com a Constituição é a de que o Juiz, de ofício, apenas pode ordenar diligências que beneficiem o acusado, para que não avoque funções acusatórias, tampouco tente desconstituir a presunção de inocência.
O art. 426, §1º, do CPP prevê que o Juiz pode determinar a alteração da lista geral de jurados de ofício.
No que concerne ao art. 497, IX, do CPP, o Juiz presidente do tribunal do júri deve decidir, inclusive de ofício, a extinção da punibilidade.
Por outro lado, também no âmbito do júri, há previsão no art. 497, XI, do CPP, dispondo que o Juiz pode determinar de ofício as diligências destinadas a sanar nulidade ou a suprir falta que prejudique o esclarecimento da verdade.
O art. 574 do CPP, um dos mais criticados, estabelece o dever do Juiz de, “ex officio”, interpor recurso contra a sentença que conceder “habeas corpus” e contra a decisão que absolver desde logo o réu com fundamento na existência de circunstância que exclua o crime ou isente o réu da pena. Para parcela considerável da doutrina, esse dispositivo não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, porque o Juiz não pode se incumbir de funções acusatórias.
Por sua vez, o art. 654, §2º, do CPP prevê uma importante atuação que independe de requerimento: o cabimento da expedição de ofício da ordem de “habeas corpus”. Na prática, os Tribunais, em muitos casos, não admitem algum recurso, mas concedem a ordem de ofício, em caso de flagrante ilegalidade. Tem sido uma das formas mais efetivas de se evitar a perpetuação de ilegalidades.
Na terceira e última parte, analisarei algumas das hipóteses de atuação “ex officio” do Magistrado previstas na legislação penal extravagante.
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