No HC 390.038-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 06/02/2018, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que é inviável o reconhecimento de reincidência com base em único processo anterior em desfavor do réu, no qual – após desclassificar o delito de tráfico para porte de substância entorpecente para consumo próprio – o juízo extinguiu a punibilidade por considerar que o tempo da prisão provisória seria mais que suficiente para compensar eventual condenação (clique aqui).
Informações do inteiro teor:
Trata-se de habeas corpus em que o impetrante sustenta a ocorrência de constrangimento ilegal, ao argumento de que a reincidência foi considerada de maneira equivocada. Vale salientar que o paciente – condenado por tráfico de drogas – não obteve a redução da pena inerente à figura privilegiada do tipo penal, em face do reconhecimento da reincidência, com base em única ação penal anterior constante em sua vida pregressa.
Na oportunidade da referida primeira e única condenação, o Juiz desclassificou o delito pelo qual respondia, atribuindo-lhe o crime de porte de substância entorpecente para consumo próprio, e, ato contínuo, extinguiu a punibilidade por considerar o tempo da prisão provisória mais do que suficiente para compensar eventual medida a lhe ser imposta. De fato, as instâncias ordinárias deixaram de reconhecer a incidência da causa especial de diminuição prevista no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006, porque concluíram que a extinção da punibilidade, nesses casos, se assemelharia à extinção do processo executivo pelo cumprimento de pena e, por conseguinte, seria apta a gerar a reincidência.
Todavia, não há como desprezar que o tempo de constrição considerado para a extinção da punibilidade se deu no âmbito exclusivo da prisão preventiva, sendo inconcebível compreender, em nítida interpretação prejudicial ao réu, que o tempo de prisão provisória seja o mesmo que o tempo de prisão no cumprimento de pena, haja vista tratar-se de institutos absolutamente distintos em todos os seus aspectos e objetivos.
Nessa linha de raciocínio, a decisão de extinção da punibilidade, na hipótese, aproxima-se muito mais do exaurimento do direito de exercício da pretensão punitiva como forma de reconhecimento, pelo Estado, da prática de coerção cautelar desproporcional no curso do único processo em desfavor do paciente – citado anteriormente – do que com o esgotamento de processo executivo pelo cumprimento de pena. Acrescente-se, ainda, que, se o paciente não houvesse ficado preso preventivamente – prisão que, posteriormente, se mostrou ilegal, dada a desclassificação do primeiro delito a ele imputado -, teria feito jus à transação penal, benefício que, como é sabido, não é apto a configurar nem maus antecedentes nem reincidência.
Nesse sentido, o único processo anterior existente em desfavor do réu não pode ser considerado para fins de reincidência, devendo a Corte de origem reanalisar o preenchimento dos demais requisitos necessários à aplicação da minorante prevista no art. 33, § 4º, da Lei de Drogas.
Confira a ementa do HC:
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DE PENA PREVISTA NO § 4º DO ART. 33 DA LEI N. 11.343/2006. REINCIDÊNCIA CONSIDERADA DE MANEIRA EQUIVOCADA. ORDEM CONCEDIDA.
1. É inconcebível considerar, em nítida interpretação prejudicial ao réu, que o tempo de prisão provisória seja o mesmo que o tempo de prisão no cumprimento de pena, haja vista tratar-se de institutos absolutamente distintos em todos os seus aspectos e objetivos.
2. A decisão de extinção da punibilidade, na hipótese, aproxima-se muito mais do exaurimento do direito de exercício da pretensão punitiva como forma de reconhecimento, pelo Estado, da prática de coerção cautelar desproporcional no curso do processo – que culminou com a condenação por porte de substância entorpecente para consumo próprio – do que com o esgotamento de processo executivo pelo cumprimento de pena.
3. Se o paciente não houvesse ficado preso preventivamente – prisão que, posteriormente, se mostrou ilegal, dada a impossibilidade de se aplicar tal medida aos acusados da prática do crime de porte de substância entorpecente para consumo próprio -, ele teria feito jus à transação penal (conforme, aliás, expressamente entendeu ser possível o próprio membro do Ministério Público), benefício que, como é sabido, não é apto a configurar nem maus antecedentes nem reincidência. A prevalecer entendimento contrário, estaria o paciente a sofrer em duplicidade os efeitos decorrentes de um processo que, ao final, não traduziu a gravidade que inicialmente se imaginou.
4. Ordem concedida, para afastar a reincidência do paciente e, por conseguinte, determinar o retorno dos autos ao Juízo de primeiro grau para que analise o eventual preenchimento, pelo paciente, dos demais requisitos necessários ao reconhecimento da minorante prevista no art. 33, § 4º, da Lei de Drogas.
(STJ, Sexta Turma, HC 390.038/SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 06/02/2018)
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