Acusação x defesa: respeito ou “a despeito de…”?
O frequente conflito processual entre acusação e defesa tem chegado a níveis alarmantes. Não são raros os embates que fogem da urbanidade e do tolerável. Há Promotores que tentam criminalizar a atividade da Advocacia – inclusive requerendo a remessa de cópias de documentos para a autoridade policial –, enquanto alguns Advogados se valem de críticas contra o próprio acusador, e não contra as alegações deste.
A questão é: essa relação conflituosa deve manter o respeito ou basta uma indiferença entre si, a despeito de não suportarem os posicionamentos do lado adverso? Ou, por outro lado, esses conflitos, inclusive de ordem pessoal, são necessários para que se tente reconstruir a inatingível “verdade real”?
Esse é um fator que não é preciso por meio de um cálculo aritmético. Dependendo do caso e contra quem se atua, a acusação e a defesa constroem diferentes percepções. Há acusadores e defensores que se colocam em total indiferença ao processo penal, desejando apenas o fim da audiência ou a entrega de uma peça processual que, conquanto medíocre, foi protocolizada no prazo. Por outro lado, no outro extremo, há membros do Ministério Público, Advogados e Defensores Públicos que pessoalizam determinados processos – raramente conseguem pessoalizar todos os processos em que atuam –, colocando-se no papel da vítima – no caso do Ministério Público – e do acusado – no caso dos Advogados e Defensores.
Em outras palavras, por meio de um sentimentalismo exagerado – em alguns casos é apenas pelo ego –, pessoalizam tanto o processo que se consideram vítimas maltratadas ou acusados de forma injusta. Em razão desse exagero, abandonam os conhecimentos jurídicos e partem para ataques pessoais durante as audiências, críticas em corredores dos fóruns ou grupos de WhatsApp etc. Esquecem-se do processo e dos fatos e passam a focar apenas no indivíduo (acusador ou defensor) que se encontra do outro lado.
Qual é o limite da pessoalização? Diria que, para o Advogado, é se colocar no papel do acusado como se fosse ele, mas sem os excessos que subverteriam o caráter técnico de sua atividade. Não compreendemos o sofrimento da prisão e de ter contra si uma imputação penal se não pensamos no que o acusado sofre, mas não tentamos encerrar ou minorar esse sofrimento se permanecermos tão imersos na situação pessoal do acusado que o desempenho técnico reste prejudicado.
Assim, o Advogado precisa deixar de ser indiferente e, de fato, indignar-se com as injustiças que ocorrem diuturnamente no processo penal. Entretanto, não pode exagerar no sentimentalismo que atrapalhe o exercício racional do seu múnus.
Da mesma forma, Promotores precisam compreender o sofrimento das vítimas e, por conseguinte, devem buscar a devida apuração dos fatos criminosos. Contudo, essa aproximação não lhes permite buscar a vingança pessoal – como algumas vítimas querem – por meio do cargo público que ocupam. Caso contrário, o Ministério Público seria descartável, bastando que as imputações fossem feitas pelas próprias vítimas.
Em tempos de padronização de peças processuais pela acusação e pela defesa, é imprescindível uma aproximação em relação àqueles envolvidos no processo penal (vítima, réu, familiares etc.). Entretanto, essa aproximação não deve ser tão intensa para que não afete a racionalidade e a técnica daqueles que se propõem a analisar, de forma jurídica, as possibilidades acusatórias e defensivas. Destarte, é possível que acusadores e defensores mantenham um mínimo de respeito, a despeito de possuírem visões distintas acerca do processo penal.
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