No RHC 69.586-PA, julgado em 27/11/2018, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que, diante do duplo julgamento do mesmo fato, deve prevalecer a sentença que transitou em julgado em primeiro lugar (leia a íntegra do acórdão).
Informações do inteiro teor:
Cinge-se a controvérsia a definir qual sentença deve prevalecer na hipótese da existência de duas sentenças definitivas em ações penais distintas pelo mesmo fato. No caso em exame, a prevalência da primeira decisão imutável é reforçada pela quebra do dever de lealdade processual por parte da defesa.
Ainda que os documentos anexados aos autos permitam concluir que eles foram assistidos pela Defensoria Pública nas duas ações penais – possivelmente, por profissionais distintos -, é pouco crível que, quando cientificados da segunda persecução criminal existente em seu desfavor, não hajam informado a pessoa responsável pela sua defesa que já estavam sendo processados pelos mesmos fatos.
A leitura da segunda sentença – proferida após o trânsito em julgado da condenação – permite concluir que a duplicidade não foi mencionada sequer nas alegações finais. Tudo leva a crer que, sabedora da dupla persecução criminal contra os réus, e que já haviam sido condenados no outro processo a defesa prosseguiu na segunda ação e, ao ser exitosa, buscou a anulação do primeiro decisum na via mandamental.
No ponto, deve-se destacar ser assente nessa Corte Superior o entendimento de que: “Vige no sistema processual penal o princípio da lealdade, da boa-fé objetiva e da cooperação entre os sujeitos processuais, não sendo lícito à parte arguir vício para o qual concorreu em sua produção, sob pena de se violar o princípio de que ninguém pode se beneficiar da própria torpeza – nemo auditur propriam turpitudinem allegans” (RHC n. 77.692/BA, Rel. Ministro Felix Fischer, 5ª Turma, DJe 18/10/2017).
Ademais, sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal entende que “demonstrado o ‘bis in idem’, e assim a litispendência, prevalece a condenação imposta na primeira ação” (HC n. 69.615/SP, Rel. Ministro Carlos Velloso, 2ª Turma, DJ 19/2/1993) e que “os institutos da litispendência e da coisa julgada direcionam à insubsistência do segundo processo e da segunda sentença proferida, sendo imprópria a prevalência do que seja mais favorável ao acusado” (HC n. 101.131/DF, Rel. Ministro Luiz Fux, Rel. p/ acórdão Ministro Marco Aurélio, 1ª Turma, DJe 10/2/2012). Com base nessas premissas, reconhece-se a prevalência da primeira sentença transitada em julgado.
Confira a ementa:
RECURSO EM HABEAS CORPUS. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. DUPLICIDADE DE AÇÕES PENAIS PELO MESMO FATO. PROLAÇÃO DE SENTENÇA. TRÂNSITO EM JULGADO. PREVALÊNCIA DO PRIMEIRO DECISUM IMUTÁVEL. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. No caso, foram distribuídas duas ações penais contra os recorrentes, ambas na Comarca de Santarém – PA, para a apuração dos mesmos fatos – prática de conjunção carnal com a vítima, menor de 14 anos à época dos fatos.
2. A primeira ação penal foi distribuída ao Juízo da Vara do Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher e a sentença foi proferida em 21/11/2013 para condenar os réus como incursos no art. 217-A do Código Penal. A condenação transitou em julgado em 18/12/2014.
3. A segunda persecução criminal foi distribuída ao Juízo da 2ª Vara Criminal. Em 22/5/2015, foi proferida sentença absolutória, que transitou em julgado em 29/10/2015.
4. No que atine ao conflito de coisas julgadas, a Terceira Seção desta Corte Superior afirmou que “a primeira decisão é a que deve preponderar” (AgRg nos EmbExeMS n. 3.901/DF, Rel. Ministro Rogerio Schietti, DJe 21/11/2018). Ainda que a análise haja sido realizada no âmbito do processo civil, os apontamentos feitos podem ser aplicados, também, ao processo penal.
5. A solução é consentânea com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, afirmada em mais de uma oportunidade. Nesse sentido: HC n.101.131/DF (Rel. Ministro Luiz Fux, Rel. p/ acórdão Ministro Marco Aurélio, 1ª T., DJe 10/2/2012); HC n. 77.909/DF (Rel. Ministro Moreira Alves, 1ª T., DJ 12/3/1999); HC n. 69.615/SP (Rel. Ministro Carlos Velloso, 2ª T., DJ 19/2/1993).
6. A prevalência da primeira decisão imutável é reforçada pela quebra do dever de lealdade processual por parte da defesa. A leitura da segunda sentença – proferida após o trânsito em julgado da condenação – permite concluir que a duplicidade não foi mencionada sequer nas alegações finais.
7. Ainda, a hipótese em exame guarda outra peculiaridade, a justificar a manutenção do primeiro decisum proferido: a absolvição dos réus, na segunda sentença, contraria jurisprudência – consolidada à época – do Superior Tribunal de Justiça.
8. Ainda que o julgamento do Recurso Especial Repetitivo n. 1.480.881/PI pela Terceira Seção do STJ seja posterior à prolação da sentença mencionada (26/8/2015), o entendimento já estava uniformizado na jurisprudência e, em abril de 2014, a matéria foi pacificada por força do julgamento dos Embargos de Divergência em Recurso Especial n. 1.152.864/SC (Rel. Ministra Laurita Vaz, 3ª S., DJe 1/4/2014).
9. Recurso não provido. (RHC 69.586/PA, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Rel. p/ Acórdão Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 27/11/2018, DJe 04/02/2019)
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