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STJ: atipicidade quanto ao crime de desobediência no caso de descumprimento de ordem de parada emanada de autoridade do trânsito

23/12/2019

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Decisão proferida pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça no HC 299.760/SP, julgado em 23/08/2016 (leia a íntegra do acórdão).

Confira a ementa:

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. DESOBEDIÊNCIA E TRÁFICO DE DROGAS. PACIENTE CONDENADO, RESPECTIVAMENTE, ÀS PENAS DE 15 DIAS DE DETENÇÃO, EM REGIME ABERTO, E 2 ANOS E 6 MESES DE RECLUSÃO, EM REGIME SEMIABERTO. PLEITO DE RECONHECIMENTO DA ATIPICIDADE DA CONDUTA DESCRITA NO ART. 330 DO CP. ACOLHIMENTO. ATIPICIDADE EVIDENCIADA. PEDIDO DE FIXAÇÃO DO REGIME ABERTO E APLICAÇÃO DO ART. 44 DO CP. INVIABILIDADE. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. QUANTIDADE E NOCIVIDADE DA DROGA APREENDIDA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
– O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade.
– Em atenção ao princípio de intervenção mínima do Direito Penal – ultima ratio -, esta Corte tem entendido que, para configurar o crime de desobediência (art. 330 do Código Penal), não basta o descumprimento de ordem legal emanada por funcionário público competente, é indispensável que inexista sanção administrativa ou civil determinada em lei específica no caso de descumprimento do ato.
– No caso, infere-se que o paciente não obedeceu à ordem legal dos policiais rodoviários federais para que parasse, conduta esta prevista pelo Código de Trânsito Brasileiro em seu art. 195. Assim, havendo previsão, na seara administrativa, para a conduta do cidadão que não obedece à ordem de parada do agente de trânsito, gênero do qual é espécie o policial rodoviário federal, e não sendo cumulada a possibilidade da infração administrativa com a de natureza penal, não há que se falar na tipificação do delito descrito no art. 330 do CP. Precedentes.
– O Plenário do Supremo Tribunal Federal, em 27/7/2012, ao julgar o HC 111.840/ES, por maioria, declarou incidentalmente a inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/1990, com a redação que lhe foi dada pela Lei n. 11.464/2007, afastando, dessa forma, a obrigatoriedade do regime inicial fechado para os condenados por crimes hediondos e equiparados.
– Para a imposição de regime prisional mais gravoso do que a pena comporta, é necessária fundamentação específica, com base em elementos concretos extraídos dos autos. Inteligência das Súmulas 440/STJ e 718 e 719 do STF.
– Do mesmo modo, no que tange à possibilidade de substituição da pena, da mesma forma, o Supremo Tribunal Federal, em 1/9/2010, no julgamento do HC n. 97.256/RS, declarou incidentalmente a inconstitucionalidade do § 4º do art. 33 e do art. 44, ambos da Lei de Drogas, na parte relativa à proibição da conversão da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos aos condenados por tráfico de entorpecentes. Assim, em não sendo promovida a conversão da pena corporal por penas restritivas de direitos, deve haver fundamentação lastreada em elementos concretos.
– Na espécie, embora o paciente seja primário e a pena de 2 anos e 6 meses de reclusão comporte, em princípio, o regime aberto e seja possível, em tese, a sua substituição por penas restritivas de direitos, o estabelecimento do regime intermediário, qual seja, o semiaberto, e a não aplicação do art. 44 do CP operaram-se com fulcro em fundamentação idônea, baseados na gravidade concreta do delito, ante a quantidade e a nocividade da droga apreendida, elementos que, inclusive, serviram de base para a escolha da fração redutora pelo tráfico privilegiado em patamar inferior ao máximo. Precedentes.
– Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício, apenas para absolver o paciente da conduta descrita no art. 330 do Código Penal, mantidos os demais termos da condenação. (HC 348.265/SC, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 18/08/2016, DJe 26/08/2016)

Confira a íntegra do voto do Ministro Reynaldo Soares Da Fonseca:

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):

Inicialmente, o Superior Tribunal de Justiça, seguindo o entendimento firmado pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, como forma de racionalizar o emprego do habeas corpus e prestigiar o sistema recursal, não admite a sua impetração em substituição ao recurso próprio.

Cumpre analisar, contudo, em cada caso, a existência de ameaça ou coação à liberdade de locomoção do paciente, em razão de manifesta ilegalidade, abuso de poder ou teratologia na decisão impugnada, a ensejar a concessão da ordem de ofício. Nesse sentido, a título de exemplo, confiram-se os seguintes precedentes: STF, HC n. 113890, Relatora Ministra Rosa Weber, 1ª Turma, julgado em 3/12/2013, publicado em 28/2/2014, STJ, HC n. 287.417/MS, Relator Ministro Sebastião Reis Júnior, 4ª Turma, julgado em 20/3/2014, DJe 10/4/2014 e STJ, HC n. 283.802/SP, Relatora Ministra Laurita Vaz, 5ª Turma, julgado em 26/8/2014, DJe 4/9/2014.

Na espécie, embora a impetrante não tenha adotado a via processual adequada, para que não haja prejuízo à defesa dos pacientes, passo à análise da pretensão formulada na inicial, a fim de verificar a existência de eventual constrangimento ilegal.

Busca-se, no presente writ, a absolvição do paciente em relação ao delito previsto no art. 330 do CP e, quanto ao delito de tráfico de entorpecentes, requer a fixação de regime menos gravoso para o cumprimento da pena e a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos.

Narra a denúncia que (fl. 18):

No período vespertino do dia 30 de outubro de 2013, o denunciado Vaidico Ribeiro Luiz, conduzindo a motocicleta Shinerav XY 150 GY. de placa MKM 8861, desobedeceu a ordem legal de Policial Rodoviário Federal, porquanto não atendeu a ordem de parada da moto emanada pela Polícia que fiscalizava o Km 51,9 da BR-470, no bairro Salto Norte, Blumenau.

Ato contínuo, após uma breve fuga. o denunciado Vaidico foi abordado na rua Francisco Ticdl, oportunidade na qual os Policiais flagraram que o denunciado tentou dispensar um invólucro plástico contendo 24.7 gramas de substância semelhante à crack. Drogas que o denunciado Vaidico trazia consigo e transportava, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, a fim de entregar a consumo e/ou expô-las à venda.

O sentenciante, além de condenar o paciente como incurso no art. 33 da Lei n. 11.343/2006, também o condenou como incurso no art. 330 do Código Penal, com base na seguinte fundamentação (fls. 130/131):

No que tange a materialidade do delito, esta se encontra devidamente comprovada pelo auto de prisão em flagrante e pelos boletins de ocorrência de tis. 03/04 e 05.

A autoria, da mesma forma, restou suficientemente demonstrada, porquanto o réu confessou, sob o crivo do contraditório, ter se evadido do local quando realizada a abordagem pelos policiais.

De fato, em seu depoimento na fase judicial, o réu confirmou ter empreendido fuga após avistar os policiais, sustentando que o documento da motocicleta estava atrasado (CD de fl. 95).

Tais declarações são corroboradas pela prova testemunhal.

Com efeito, o Policial Rodoviário Federal Mariano Abdo Griese, em juízo, esclareceu que estavam realizando uma operação a fim de impedir o trânsito pelo acostamento e que ao avistarem o acusado em uma motocicleta, transitando pelo local, foi dado ordem de parada, sendo que o réu não obedeceu e empreendeu fuga pela BR-470, circulando por mais de cinco quilômetros. Mencionou que em todo o trajeto percorrido o acusado transitou de forma perigosa.

Além disso, que só conseguiram abordá-lo quando perdeu o controle da motocicleta e caiu (CD de fl. 95). No mesmo sentido o depoimento da Policial Rodoviária Federal Sissi Heleodoro (Cd de fl. 95).

(…)

In casu, os elementos de prova demonstram que o acusado estava agindo com o propósito de fugir da autoridade policial, pois desobedeceu a ordem de parada dos agentes, sendo capturado somente após perder o controle da motocicleta e cair depois de longa perseguição.

Assim, a ordem de parada foi diretamente transmitida ao réu na oportunidade em que policiais o avistaram transitando pelo acostamento, sendo que ao desatender a determinação dos agentes públicos, circulando por mais de cinco quilômetros de maneira perigosa, afrontou a autoridade constituída e faltou ao dever de obediência, por lei exigido.

(…)

Deste modo, tratando-se de ordem legal proveniente de funcionário público no uso de suas atribuições legais, o fato de o réu se evadir demonstra perfeitamente o dolo em sua conduta, motivo pelo qual a condenação é medida necessária.

Ao julgar o apelo defensivo, a Corte local, por maioria de votos, manteve a condenação pelo delito de desobediência, tendo o voto condutor do acórdão recorrido assentado que (fls. 211/213):

A autoria, por sua vez, está demonstrada pelas provas colhidas no curso da instrução criminal. Com efeito, o réu, em Juízo, confessou ter empreendido fuga após avistar a ordem de parada dos policiais rodoviários federais, alegando que a motocicleta que conduzia não era de sua propriedade e estava com a documentação atrasada. Aduziu que não queria perder a moto, e também não queria que sua família soubesse do seu envolvimento com drogas (mídia de fl. 95).

(…)

Na hipótese, o réu, condutor da motocicleta, apesar de ter visualizado a ordem de parada feita pelos policiais rodoviários federais, não a obedeceu, empreendendo fuga do local em alta velocidade, com a nítida intenção de evitar a abordagem da autoridade policial.

Dessa forma, não há falar em atipicidade da conduta como pretende a defesa, porquanto o apelante, ao desatender à ordem de “pare” efetuada pelos policiais rodoviários federais, desobedeceu a ordem legal de funcionário público, incorrendo, portanto, no delito tipificado no art. 330, caput, do Código Penal.

Como se vê, a ordem foi revestida de legalidade, porquanto o réu estava dirigindo pelo acostamento – infração de trânsito prevista no art. 193 do Código de Trânsito Brasileiro.

Portanto, a condenação do réu pela prática do crime de desobediência merece ser mantida.

No curso do julgamento dos embargos infringentes, também foi mantida a condenação pelo tipo do art. 330 do Código Penal, consoante trecho do voto condutor que destaco (fl. 265):

Assim, não obstante já tenha entendido diversamente em julgamentos anteriores, compartilho, atualmente, do posicionar de que o direito de o réu não se autoincriminar deve ser analisado sob o prisma da legalidade, não podendo o indivíduo valer-se de tal garantia para cometer outra conduta tipificada como ilícito penal.

E, no caso, conforme afirmou com propriedade o eminente relator, Des. Rui Fortes, o réu, condutor de motocicleta que trafegava pela acostamento, não obstante ter visualizado a determinação de parada por parte policiais rodoviários federais, não a obedeceu, empreendendo fuga do local em alta velocidade.

Portanto, a ordem legal emanada de funcionário público foi flagrantemente desrespeitada pelo ora embargante, enquadrando-se, sem dúvidas, no delito de desobediência previsto no art. 330 do CP.

Sabe-se que, em atenção ao princípio de intervenção mínima do Direito Penal – ultima ratio -, esta Corte tem entendido que, para configurar o crime de desobediência (art. 330 do Código Penal), não basta o descumprimento de ordem legal emanada por funcionário público competente, é indispensável que inexista sanção administrativa ou civil determinada em lei específica no caso de descumprimento do ato.

No caso, infere-se que o paciente não obedeceu à ordem legal dos policiais rodoviários federais para que parasse, conduta esta prevista pelo Código de Trânsito Brasileiro em seu art. 195, que dispõe:

Art. 195. Desobedecer às ordens emanadas da autoridade competente de trânsito ou de seus agentes: Infração – grave; Penalidade – multa.

Dessa forma, havendo previsão, na seara administrativa, para a conduta do cidadão que não obedece à ordem de parada do agente de trânsito, gênero do qual é espécie o policial rodoviário federal, e não sendo cumulada a possibilidade da infração administrativa com a de natureza penal, não há que se falar na tipificação do delito descrito no art. 330 do CP. Nessa linha:

PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DESOBEDIÊNCIA. NÃO PARAR O VEÍCULO E EMPREENDER FUGA, AO SER ABORDADO POR POLICIAIS. ATIPICIDADE DA CONDUTA. 1. Para a caracterização do crime de desobediência (art. 330 do CP), é necessário que não haja sanção especial para o seu não cumprimento, ou seja, se pelo descumprimento de ordem legal de servidor público, alguma lei estabelece determinada penalidade administrativa ou civil, não se deverá reconhecer o crime em questão, salvo se a referida lei expressamente ressalvar a cumulativa aplicação do art. 330 do CP. 2. No presente caso, a conduta praticada pelo Recorrido (não parar o veículo e empreender fuga, ao ser abordado por policiais rodoviários federais) encontra, na legislação de trânsito (art. 195 do CTB – Desobedecer às ordens emanadas da autoridade competente de trânsito ou de seus agentes), a previsão de penalidade administrativa (multa), não prevendo lá a cumulação com a sanção criminal. 3. Agravo regimental não provido. (AgRg no REsp 1492647/PR, deste Relator, QUINTA TURMA, julgado em 10/11/2015, DJe 17/11/2015) – grifei.

HABEAS CORPUS. SUCEDÂNEO DO RECURSO ADEQUADO. INADMISSIBILIDADE. FLAGRANTE ILEGALIDADE. EXISTÊNCIA. PROCESSUAL PENAL. CONDENAÇÃO PELO DELITO DE DESOBEDIÊNCIA. ATIPICIDADE. INFRAÇÃO DE TRÂNSITO (ART. 195 DO CTB). NATUREZA ADMINISTRATIVA. RESSALVA DE SANÇÃO PENAL. INEXISTÊNCIA. DOSIMETRIA. FIXAÇÃO DA PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL CONSIDERADA NEGATIVA. CONDUTA SOCIAL DO PACIENTE. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. REVOLVIMENTO DO ACERVO FÁTICO- PROBATÓRIO. VEDAÇÃO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. AUSÊNCIA. (…) 2. Para a configuração do delito de desobediência, salvo se a lei ressalvar expressamente a possibilidade de cumulação da sanção de natureza civil ou administrativa com a de natureza penal, não basta apenas o não cumprimento de ordem legal, sendo indispensável que, além de legal a ordem, não haja sanção determinada em lei específica no caso de descumprimento (HC n. 22.721/SP, Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, DJ 30/6/2003). Precedentes. 3. Necessária se faz, portanto, a reforma do acórdão recorrido para restabelecer a sentença de primeiro grau, que absolveu o paciente quanto ao crime de desobediência previsto no art. 330 do Código Penal. (…) 6. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício, para cassar o acórdão recorrido e restabelecer a sentença de primeiro grau no ponto que absolveu o ora paciente pelo crime de desobediência. (HC 186.718/RJ, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 20/08/2013, DJe 06/09/2013) – grifei.

Portanto, reconhecida a atipicidade penal do delito previsto no art. 330 do Código Penal, absolvo o ora paciente, excluindo da condenação a pena de 15 dias de detenção.

Prosseguindo, insurge-se a defesa, em relação ao delito de tráfico de entorpecentes, quanto ao regime prisional estabelecido e à negativa de aplicação do art. 44 do CP.

Quanto ao regime prisional, sabe-se que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em 27/7/2012, ao julgar o HC 111.840/ES, por maioria, declarou incidentalmente a inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/1990, com a redação que lhe foi dada pela Lei n. 11.464/2007, afastando, dessa forma, a obrigatoriedade do regime inicial fechado para os condenados por crimes hediondos e equiparados.

Dessa forma, para o estabelecimento de regime de cumprimento de pena mais gravoso, é necessário fundamentação específica, com base em elementos concretos extraídos dos autos. Sobre o tema, esta Corte Superior editou a Súmula n. 440, que dispõe:

Fixada a pena-base no mínimo legal, é vedado o estabelecimento de regime prisional mais gravoso do que o cabível em razão da sanção imposta, com base apenas na gravidade abstrata do delito.

Nesse mesmo sentido, as Súmulas 718 e 719 do Supremo Tribunal Federal, respectivamente, in verbis :

A opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para a imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a pena aplicada.

A imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea.

Do mesmo modo, no que tange à possibilidade de substituição da pena, da mesma forma, o Supremo Tribunal Federal, em 1/9/2010, no julgamento do HC n. 97.256/RS, declarou incidentalmente a inconstitucionalidade do § 4º do art. 33 e do art. 44, ambos da Lei de Drogas, na parte relativa à proibição da conversão da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos aos condenados por tráfico de entorpecentes. Assim, em não sendo promovida a conversão da pena corporal por penas restritivas de direitos, deve haver fundamentação lastreada em elementos concretos.

No caso, o sentenciante estabeleceu as penas e o regime prisional do delito descrito no art. 33 da Lei n. 11.343/2006 nos seguintes moldes (fls. 334/335):

Analisando as circunstâncias previstas no artigo 59 do Código Penal e, principalmente, aquelas estabelecidas no artigo 42 da Lei n. 11.343/2006, infere-se que a culpabilidade do réu é normal, pois, maior, mentalmente são, tinha plena consciência da ilicitude e da reprovabilidade de sua conduta, sabendo que se portava contrariamente ao direito, sendo-lhe exigido comportamento diverso. Não registra antecedentes criminais (certidões de fls. 19/20). Inexistem dados acerca de sua conduta social e personalidade. Os motivos são típicos da narcotraficância, ou seja, o lucro fácil. As consequências do crime são normais à espécie. Quanto às circunstâncias, há que se considerar que o crack possui grande potencial lesivo, causando transtornos no sistema cardiovascular, sistema nervoso central e, ainda, trazendo grandes efeitos comportamentais, podendo causar dependência física e/ou psíquica Nesse sentido: “O art. 42 da Lei 11.343/2006 autoriza o aumento da pena na fase das circunstâncias judiciais elencadas no art. 59 do Código Penal em razão da natureza e/ou quantidade da droga. (Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Quarta Câmara Criminal, Apelação Criminal n. 2011.040399-4, rel. Des. Carlos Alberto Civinski, j. 25.11.2011).

(…)

O comportamento da vítima, no caso a sociedade, nada contribuiu para o crime.

Assim, havendo uma circunstância judicial desfavorável, fixo a pena base acima do mínimo legal em 1/6 (um sexto), totalizando 5 anos e 10 meses de reclusão e 583 dias-multa.

Na segunda fase, ausentes agravantes a considerar, verifico estar presente a atenuante da confissão espontânea (art. 65, III, “d”), sendo cabível, assim, a redução de 1/6 da pena. Todavia, em observância à súmula 231 do STJ, reduzo a pena em 10 meses.

Na terceira fase, presente a causa de especial diminuição de pena do § 4º do art. 33, motivo pelo qual reduzo a reprimenda em 1/2, restando fixada definitivamente em 2 anos e 6 meses de reclusão e 292 dias-multa. 2.3.2.

Fixo o regime semiaberto para início do cumprimento da reprimenda em relação ao delito de reclusão, considerando tratarse de crime equiparado a hediondo e as circunstâncias judiciais não recomendarem o resgate na modalidade menos gravosa, pois o réu comercializava drogas de alto potencial lesivo

O Tribunal revisor, ao julgar o apelo defensivo, reduziu a pena-base para o mínimo legal de 5 anos, pois, reconhecendo o vedado bis in idem, excluiu a valoração da quantidade/nocividade da droga apreendida da primeira fase da dosimetria da pena e a manteve apenas na terceira fase, para justificar a fração redutora de 1/2. A pena final, contudo, não sofreu alteração, permanecendo o montante de 2 anos e 6 meses de reclusão (fls. 219/224). Na ocasião, foi mantido o regime semiaberto e a não substituição da pena corporal, com lastro nos seguintes fundamentos (fls. 224/226):

In casu, a fixação do regime inicial semiaberto para o cumprimento da reprimenda mostra-se necessário à prevenção e à repreensão da conduta praticada pelo réu, diante da gravidade concreta do delito, evidenciada pela quantidade e natureza do entorpecente apreendido (24,7 gramas de crack), e satisfaz a exigência de motivação idônea exigida pela Súmula 719 do STF: (…)

Ademais, esta Terceira Câmara Criminal entende que, nos processos com apreensão significativa de entorpecentes e/ou de natureza altamente nociva, um regime mais brando é insuficiente à prevenção do delito de tráfico de drogas, bem como à reprovação da conduta do agente, que é equiparada a crime hediondo.

(…) Se não bastasse, a substituição pretendida, no caso em concreto, não se mostra suficiente à repreensão da conduta praticada pelo réu, diante da gravidade concreta do delito, evidenciada pela quantidade e natureza da droga apreendida (24,7 gramas de crack).

Pela leitura dos excertos acima, observa-se que, embora o paciente seja primário e a pena de 2 anos e 6 meses de reclusão comporte, em princípio, o regime aberto e seja possível, em tese, a sua substituição por penas restritivas de direitos, o estabelecimento do regime intermediário, qual seja, o semiaberto, e a não aplicação do art. 44 do CP operaram-se com fulcro em fundamentação idônea, baseados na gravidade concreta do delito, ante a quantidade e a nocividade da droga apreendida (24,7g de crack), elementos que, inclusive, serviram de base para a escolha da fração redutora pelo tráfico privilegiado em patamar inferior ao máximo.

Nessa linha:

PENAL E PROCESSUAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO. NÃO CONHECIMENTO. TRÁFICO DE DROGAS. DOSIMETRIA. IMPOSIÇÃO DO REGIME INICIAL FECHADO E NEGATIVA DE SUBSTITUIÇÃO DAS PENAS NATUREZA. PREVISÕES LEGAIS DECLARADAS INCONSTITUCIONAIS PELO STF. FUNDAMENTO TAMBÉM COM BASE NA QUANTIDADE E NATUREZA DA DROGA APREENDIDA (99 INVÓLUCROS CONTENDO APROXIMADAMENTE 20 GRAMAS DE COCAÍNA). FIXAÇÃO DO REGIME FECHADO. CONDENAÇÃO NÃO SUPERIOR A 4 ANOS. RÉU PRIMÁRIO. PENA-BASE NO MÍNIMO. FUNDAMENTO CONCRETO PARA A FIXAÇÃO DO REGIME MAIS GRAVOSO – O SEMIABERTO – E NÃO O FECHADO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. (…) 3. Nos termos do entendimento firmado pelo STJ, a quantidade, a natureza e a variedade da droga apreendida constituem fundamento idôneo a justificar tanto a imposição do regime mais severo, quanto o indeferimento da substituição das penas, inexistindo, portanto, ilegalidade a ser sanada. Precedentes. (…) 5. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para estabelecer o regime semiaberto para o cumprimento da pena reclusiva. (HC 338.541/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 24/11/2015, DJe 07/12/2015) – grifei.

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. QUANTIDADE E NOCIVIDADE DA DROGA APREENDIDA. FUNDAMENTO UTILIZADO NA PRIMEIRA E TERCEIRA FASES. BIS IN IDEM. OCORRÊNCIA. PENA-BASE REDUZIDA AO MÍNIMO LEGAL, SEM REFLEXO NA DOSIMETRIA, POIS JÁ HAVIA SIDO REDUZIDA AO MÍNIMO NA SEGUNDA FASE. CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO FIXADA EM 1/2. PLEITO DE AUMENTO DA FRAÇÃO REDUTORA. INVIABILIDADE. QUANTIDADE E NATUREZA DA DROGA QUE JUSTIFICAM A FRAÇÃO UTILIZADA. REGIME PRISIONAL. PACIENTE PRIMÁRIO CONDENADO A PENA INFERIOR A 4 ANOS E CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL DESFAVORÁVEL. REGIME INTERMEDIÁRIO. SUBSTITUIÇÃO DE PENA. IMPOSSIBILIDADE. CIRCUNSTÂNCIAS CONCRETAS QUE NÃO RECOMENDAM A SUBSTITUIÇÃO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. (…) 5. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, em 27/7/2012, ao julgar o HC 111.840/ES, por maioria, declarou incidentalmente a inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/1990, com a redação que lhe foi dada pela Lei n. 11.464/2007, afastando, dessa forma, a obrigatoriedade do regime inicial fechado para os condenados por crimes hediondos e equiparados. 6. Considerando que a pena foi fixada em 2 anos e 6 meses de reclusão, mas tendo em vista que o redutor foi aplicado em metade, por conta da quantidade e natureza da droga apreendida (117g de cocaína), deve ser fixado o regime inicial semiaberto, nos termos do art. 33, § 2º, alínea “b” e § 3º, do Código Penal. 7. Quanto à possibilidade de substituição da pena, da mesma forma, o Supremo Tribunal Federal, em 1º/9/2010, no julgamento do HC n. 97.256/RS, declarou incidentalmente a inconstitucionalidade do § 4º do art. 33 e do art. 44, ambos da Lei de Drogas, na parte relativa à proibição da conversão da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos aos condenados por tráfico de entorpecentes. 8. Não há se falar em substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, porquanto as circunstâncias do caso concreto não recomendam a substituição da pena, pois a quantidade da droga foi sopesada negativamente na terceira fase da dosimetria. 9. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para fixar o regime semiaberto. (HC 355.126/SP, deste Relator, QUINTA TURMA, julgado em 24/05/2016, DJe 31/05/2016) – grifei.

Ante o exposto, não conheço do habeas corpus. Contudo, concedo a ordem de ofício, apenas para absolver o paciente da conduta descrita no art. 330 do Código Penal, mantidos os demais termos da condenação.

É como voto.

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Evinis Talon é Advogado Criminalista com atuação no Brasil inteiro, com 12 anos de experiência na defesa penal, professor de cursos de mestrado e doutorado com experiência de 11 anos na docência, Doutor em Direito Penal pelo Centro de Estudios de Posgrado (México), Doutorando pela Universidade do Minho (Portugal – aprovado em 1º lugar), Mestre em Direito (UNISC), Máster en Derecho Penal (Universidade de Sevilha), Máster en Derecho Penitenciario (Universidade de Barcelona), Máster en Derecho Probatorio (Universidade de Barcelona), Máster en Derechos Fundamentales (Universidade Carlos III de Madrid), Máster en Política Criminal (Universidade de Salamanca), especialista em Direito Penal, Processo Penal, Direito Constitucional, Filosofia e Sociologia, autor de 7 livros, ex-Defensor Público do Rio Grande do Sul (2012-2015, pedindo exoneração para advogar. Aprovado em todas as fases durante a graduação), palestrante que já participou de eventos em 3 continentes e investigador do Centro de Investigação em Justiça e Governação (JusGov) de Portugal. Citado na jurisprudência de vários tribunais, como TRF1, TJSP, TJPR, TJSC, TJGO, TJMG, TJSE e outros.

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