Decisão proferida pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça no RHC 75.716/MG, julgado em 13/12/2016 (leia a íntegra do acórdão).
Confira a ementa:
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA EM AUDIÊNCIA. PEDIDO DE PRONUNCIAMENTO DA DEFESA INDEFERIDO. AUSÊNCIA DE URGÊNCIA E DE PREJUÍZO AO PROCESSO, A DESAUTORIZAREM A PARTICIPAÇÃO DEFENSIVA. EXIGÊNCIA DO CONTRADITÓRIO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ART. 283, § 3º DO CPP. RECURSO PROVIDO.
1. A reforma do Código de Processo Penal ocorrida em 2011, por meio da Lei nº 12. 403/11, deu nova redação ao art. 282, § 3º, do Código, o qual passou a prever que, “ressalvados os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida, o juiz, ao receber o pedido de medida cautelar, determinará a intimação da parte contrária, acompanhada de cópia do requerimento e das peças necessárias, permanecendo os autos em juízo.”
2. A providência se mostra salutar em situações excepcionais, porquanto, “[…] ouvir as razões do acusado pode levar o juiz a não adotar o provimento limitativo da liberdade, não só no caso macroscópico de erro de pessoa, mas também na hipótese em que a versão dos fatos fornecida pelo interessado se revele convincente, ou quando ele consiga demonstrar a insubsistência das exigências cautelares” (AIMONETTO, M. G. Le recenti riforme della procedura penale francese – analisi, riflessioni e spunti di comparazione. Torino: G. Giappichelli, 2002, p. 140).
3. Injustificável a decisão do magistrado que, em audiência, não permite à defesa se pronunciar oralmente sobre o pedido de prisão preventiva formulado pelo agente do Ministério Público, pois não é plausível obstruir o pronunciamento da defesa do acusado, frente à postulação da parte acusadora, ante a ausência de prejuízo ou risco, para o processo ou para terceiros, na adoção do procedimento previsto em lei.
4. Ao menos por prudência, deveria o juiz ouvir a defesa, para dar-lhe a chance de contrapor-se ao requerimento, o que não foi feito, mesmo não havendo, neste caso específico, uma urgência tal a inviabilizar a adoção dessa providência, que traduz uma regra básica do direito, o contraditório, a bilateralidade da audiência.
5. Mesmo partindo do princípio de que o decreto preventivo esteja motivado idoneamente, é o caso de o Superior Tribunal de Justiça afirmar a necessidade de que, em casos excepcionais, pelo menos quando decretada em audiência, com a presença do advogado do acusado, seja ele autorizado a falar, concretizando o direito de interferir na decisão judicial que poderá implicar a perda da liberdade do acusado.
6. Recurso provido, para assegurar ao recorrente o direito de responder à ação penal em liberdade, ressalvada a possibilidade de nova decretação da custódia cautelar, nos termos da lei. (RHC 75.716/MG, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Rel. p/ Acórdão Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 13/12/2016, DJe 11/05/2017)
Leia a íntegra do voto do Ministro Rogerio Schietti Cruz:
[…]
A reforma do Código de Processo Penal, ocorrida em 2011 por meio da Lei 12.403/11, inovou sensivelmente o trato jurídico das medidas cautelares pessoais.
Entre essas novidades, previu-se, no art. 282, § 3º, que, “ressalvados os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida, o juiz, ao receber o pedido de medida cautelar, determinará a intimação da parte contrária, acompanhada de cópia do requerimento e das peças necessárias, permanecendo os autos em juízo.”
Assinalo que esse dispositivo sempre foi objeto de discussão doutrinária, ante a dificuldade de imaginar-se como integrante do processo decisório, para a imposição de medida cautelar pessoal, a prévia oitiva do sujeito passivo da medida.
É que, entre nós, a atividade processual direcionada à decretação de uma prisão preventiva sempre se afastou, por completo, da possibilidade de permitir ao sujeito passivo da medida exercer um contraditório antecipado sobre essa decisão. Em outras palavras, a decretação de uma prisão preventiva parece não se ajustar à ideia de que o destinatário da ordem judicial – o acusado – possa ter a oportunidade de opor-se à medida antes que ela se ultime.
A explicação é simples: a natureza cautelar e, consequentemente, urgente da cautela pessoal, bem assim a necessidade de conferir imediata proteção de um bem jurídico, ou mesmo de uma pessoa, sob pena de manter-se uma situação de risco à liberdade do investigado ou acusado, não autorizam que se adie a decisão que decreta a custódia cautelar. Outrossim, soa razoável inferir que o conhecimento prévio da ordem judicial de prisão pode, em muitos casos, frustrar a eficácia da medida, tornando-a inócua em razão da consumação da lesão ao bem jurídico protegido.
Sem embargo, alguns países vêm modificando seus códigos de processo penal para introduzir a possibilidade de um contraditório antecipado em relação às medidas cautelares pessoais.
A França, pioneira nessa iniciativa, efetuou tal inovação quando estabeleceu, por meio da Lei 2000-516, de 15/6/2000, novo procedimento relativo ao instituto da détention provisoire – conforme disposto no art. 145 do Código de Processo Penal da francês – e das medidas cautelares em geral.
A Espanha seguiu o exemplo francês, adotando mecanismo similar por meio do art. 505 da Ley de Enjuiciamiento Criminal (atualizada pelas leis L.O. 13/2003, de 24 de outubro, em matéria de prisão provisória, e pela Ley 41/2015, de 5 de outubro, para a agilização da justiça penal e o fortalecimento das garantias processuais), que previu audiência em que “el Ministerio Fiscal o las partes acusadoras podrán interesar que se decrete la prisión provisional del investigado o encausado o su libertad provisional con fianza”, determinando que para tal ato seja intimado o imputado, “que deberá estar asistido de letrado por él elegido o designado de oficio”.
Na Itália, a seu turno, prevê-se a realização de um interrogatório “di garanzia”, assegurando-se ao acusado, após ser preso, o direito de ser conduzido à presença do juiz que decretou a cautela pessoal, no prazo máximo de cinco dias após o início da execução da medida (artigo 294 do CPP).
É chegado, creio, o momento de também no Brasil observar-se similar orientação, desde que, como o próprio texto normativo ressalva, não haja prejuízo à efetivação da medida cautelar.
E o presente caso reclama a incidência do dispositivo citado, porque o acusado, que respondia ao processo em liberdade, teve a prisão decretada na audiência de instrução e julgamento, em decisão repentina, adotada ao término do ato processual.
Examinando o caso, não posso deixar de concluir que beira ao autoritarismo a decisão do magistrado que, em uma audiência, não permite à defesa se pronunciar oralmente sobre o pedido de prisão preventiva formulado pelo agente do Ministério Público. Ainda que se tenha como fundamentada a decisão, não vislumbro qualquer justificativa plausível para a conduta judicial de obstruir qualquer pronunciamento da defesa do acusado, frente à postulação da parte acusadora, como também não identifico nenhum prejuízo ou risco, para o processo ou para terceiros, na adoção do procedimento previsto em lei.
Diante do que informam os autos, vejo-me impelido a entender que, ao menos por prudência, deveria o juiz ouvir a defesa, para dar-lhe a chance de contrapor-se ao requerimento ministerial. Isso não foi feito. E não percebo, neste caso específico, uma urgência tal a inviabilizar a adoção da alvitrada providência, que traduz uma regra básica do direito, o contraditório, a bilateralidade da audiência.
Então, neste caso, não se trata de saber se a decisão é ou não fundamentada, e, sim, se ela observou o procedimento previsto em lei.
Mesmo partindo do princípio de que o decreto preventivo esteja motivado idoneamente, trata-se de o STJ afirmar a necessidade de que, em casos tais, ou seja, quando decretada a prisão cautelar em audiência, com a presença do advogado do réu, seja ele autorizado a previamente falar sobre o pedido que vai implicar a perda da liberdade do acusado.
Vale a lembrança da lição de AIMONETTO – a quem aludo em texto de minha lavra – no sentido de que a providência, aparentemente esdrúxula em tema de prisão cautelar, possui algumas vantagens, porquanto, como assinala, “[…] é inegável que ouvir as razões do acusado pode levar o juiz a não adotar o provimento limitativo da liberdade, não só no caso macroscópico de erro de pessoa, mas também na hipótese em que a versão dos fatos fornecida pelo interessado se revele convincente, ou quando ele consiga demonstrar a insubsistência das exigências cautelares” (AIMONETTO, M. G. Le recenti riforme della procedura penale francese – analisi, riflessioni e spunti di comparazione. Torino: G. Giappichelli, 2002, p. 140).
À vista do exposto, dou provimento ao recurso, para assegurar ao recorrente o direito de responder à ação penal em liberdade, ressalvada a possibilidade de nova decretação da custódia cautelar, se efetivamente demonstrada a sua necessidade e a observância dos termos da lei.
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