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Evinis Talon

STJ: verificada a inércia do advogado constituído para apresentação das razões do apelo criminal, o réu deve ser intimado para nomear novo patrono, antes que se proceda à indicação de defensor para o exercício do contraditório

24/05/2019

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Decisão proferida pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça no HC 302586/RN, julgado em julgado em 10/05//2016 (leia a íntegra do acórdão).

Confira a ementa:

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO. AUSÊNCIA DAS RAZÕES DE APELAÇÃO. NULIDADE ARGUíDA QUASE 5 ANOS APÓS O TRÂNSITO EM JULGADO DA CONDENAÇÃO. ORDEM NÃO CONHECIDA. 1. Ainda que o art. 601 do CPP autorize a remessa da apelação à instância superior quando não apresentadas as razões pelo advogado constituído, é recomendável, para conferir maior efetividade à ampla defesa, a prévia intimação do réu para indicar novo causídico e, na sua falta, nomear defensor para arrazoar o recurso. 2. Eventual descumprimento de tal formalidade deve ser apontado em tempo razoável, sob pena de a inércia da parte esvaziar a alegação de prejuízo para o réu. 3. Interposta a apelação, a defesa técnica, devidamente intimada, deixou de arrazoar o recurso, julgado pelo Tribunal de Justiça. Após o decurso de quase cinco anos do trânsito em julgado, o habeas corpus é utilizado para apontar o vício e requerer a nulidade do julgamento, o que enfraquece, nos limites dos precedentes da Corte, a alegada nulidade. 4. Apesar do direito à plenitude da defesa, o decurso do tempo evidencia a ausência de prejuízo concreto para o réu, imprescindível para a declaração de nulidade do ato, principalmente quando o apelo devolveu toda a matéria ao Tribunal, o qual reexaminou a sentença penal de forma ampla. Ademais, a impetração não apontou nenhuma tese que deixou de ser enfrentada no julgamento, a justificar a anulação do acórdão. 5. Habeas corpus não conhecido. (HC 302.586/RN, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 10/05/2016, DJe 19/05/2016)

Leia o voto:

VOTO

O SENHOR MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ (Relator):

Preliminarmente, releva salientar que o Superior Tribunal de Justiça, na esteira do que vem decidindo o Supremo Tribunal Federal, não admite que o remédio constitucional seja utilizado em substituição ao recurso próprio (apelação, agravo em execução, recurso especial), tampouco à revisão criminal, ressalvadas as situações em que, à vista da flagrante ilegalidade do ato apontado como coator, em prejuízo da liberdade do(a) paciente, seja cogente a concessão, de ofício, da ordem de habeas corpus.

Sob tais premissas, passo a analisar a controvérsia.

I. Contextualização

A condenação, imposta na Ação n. 0002139-12.2008.8.20.0001, transitou em julgado em 12/11/2009 e, ao que se tem, a pena privativa de liberdade ainda não foi cumprida pelo paciente, pois ele resgata reprimenda unificada de 17 anos e 5 meses de reclusão, com término previsto para 20/4/2026.

Disso isso, esclareço que, em 1°/8/2008, foi prolatada sentença em desfavor do paciente, condenando-o a 3 anos de reclusão e 10 dias-multa, como incurso no art. 16, caput, da Lei n. 10.826/2003. O réu interpôs apelação e a defesa técnica, devidamente intimada para apresentar as razões recursais, quedou-se inerte.

O representante do Ministério Público juntou contrarrazões e, após o parecer, o Tribunal de Justiça estadual conheceu do apelo e a ele negou provimento, mantendo a sentença em todos os seus termos. O acórdão foi publicado em 6/10/2009 e transitou em julgado para ambas as partes.

Os autos foram remetidos à Vara de Execuções Penais e, nesta Corte Superior, em impetração datada de 25/8/2014, a parte apontou o vício do julgamento e requer a anulação do ato, por prejuízo à ampla defesa.

II. Nulidade por ausência de apresentação de razões da apelação

A questão noticiada pela defesa é sensível, pois, com fundamento no art. 601 do CPP, a apelação interposta pelo réu, por termo nos autos, ascendeu ao juízo ad quem sem as razões recursais. A defesa técnica, intimada a arrazoar o recurso, quedou-se inerte, e a instância ordinária deixou de conferir ao réu a oportunidade de indicar novo advogado e não nomeou defensor para patrocinar seus interesses. A apelação foi julgada sem as razões, o que ensejou a impetração deste habeas corpus, no qual a defesa alega, de forma genérica e passados quase cinco anos desde o trânsito em julgado do acórdão, que foi sacrificado o direito à ampla defesa do réu.

A questão é grave, pois, de um lado, houve a falta de razões do recurso de apelação, mas, de outro, o réu estava patrocinado por advogado constituído que, apesar de devidamente intimado, permaneceu inerte e não suscitou a nulidade em tempo oportuno. Passados quase 5 anos após o trânsito em julgado da condenação, o habeas corpus é impetrado para anular o julgamento, sob a alegação genérica de prejuízo à ampla defesa.

Em minha concepção, implica nulidade processual, por violação do direito à ampla defesa, o julgamento de apelação criminal sem as correspondentes razões recursais. Nos casos em que o réu apela da sentença condenatória, por termo nos autos, e a defesa técnica, instada a arrazoar o recurso, permanece inerte, o magistrado deve interpretar o art. 601 do CPP de acordo com os princípios fundamentais do processo penal e intimar o acusado para constituir novo patrono de sua livre escolha ou, se não for realizada a providência, nomear-lhe defensor dativo ou público, para conferir maior efetividade ao duplo grau de jurisdição e afastar eventual alegação de ausência de defesa.

Não obstante a existência do vício no ato processual, as nulidades, tantos as absolutas quanto as relativas, devem ser alegadas no momento oportuno, sendo imprescindível a demonstração de prejuízo da parte, pois não se invalida ato processual que não tenha influído na qualidade da jurisdição prestada.

Na lição de Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho, “predomina hoje em dia o sistema da instrumentalidade das formas em que se dá mais valor à finalidade pela qual a forma foi instituída e ao prejuízo causado pelo ato atípico, cabendo ao magistrado verificar, diante de cada situação, a conveniência de retirar-se a eficácia do ato praticado em desacordo com o modelo legal.” (As nulidades no processo penal, p. 27, 7. ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 2001).

Tal regra é positivada no art. 563 do Código de Processo Penal que dispõe: “Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa.”

A demonstração do prejuízo – que em alguns casos de nulidade absoluta, por ser evidente, pode decorrer de simples raciocínio lógico do julgador – é reconhecida pela jurisprudência atual como essencial tanto para a nulidade relativa quanto para a absoluta, consoante retrata textualmente o seguinte julgado do Supremo Tribunal Federal:

 […] III – Este Tribunal assentou o entendimento de que a demonstração de prejuízo, “a teor do art. 563 do CPP, é essencial à alegação de nulidade, seja ela relativa ou absoluta, eis que (…) o âmbito normativo do dogma fundamental da disciplina das nulidades pas de nullité sans grief compreende as nulidades absolutas” (HC 85.155/SP, Rel. Min. Ellen Gracie). […] V – Ordem denegada. (HC n. 122.229, Rel. Ministro Ricardo Lewandowski, 2ª T, DJe 29/5/2014, destaquei.)

Assim, é possível que a nulidade absoluta – cujo prejuízo, se alegado na primeira oportunidade, pode ser inequívoco e decorrer de um simples raciocínio lógico e mental do julgador – deixe de ser declarada naquelas hipóteses excepcionalíssimas em que for constatada a inércia da defesa, que tardiamente a invoca, muitas vezes após o decurso de anos depois do trânsito em julgado.

Nesse sentido, cito os seguintes precedentes do Supremo Tribunal Federal, mutatis mutandis:

 […] 1. A atual jurisprudência do Supremo Tribunal Federal entende que “a nulidade não suscitada no momento oportuno é impassível de ser arguida através de habeas corpus, no afã de superar a preclusão, sob pena de transformar o writ em sucedâneo da revisão criminal” (RHC 107.758, Rel. Min. Luiz Fux). 2. O defensor dativo foi intimado pessoalmente do resultado do julgamento da apelação e não arguiu, por meio dos instrumentos processuais cabíveis, a nulidade suscitada nesta impetração. 3. Preclusão da matéria com o trânsito em julgado da apelação. 4. Habeas Corpus extinto sem resolução de mérito por inadequação da via processual. Cassada a liminar deferida. (HC n. 102.077, Rel. Ministro Roberto Barroso, 1ª T., DJe 31/3/2014)

[…] 3. Alegação de nulidade absoluta por cerceamento de defesa, ao argumento de falta de intimação pessoal do Defensor Público para a sessão de julgamento do recurso em sentido estrito. 4. Inércia da defesa: transcurso de mais de 3 anos entre o trânsito em julgado do acórdão da Corte Estadual e a impetração de habeas corpus perante o STJ. Reconhecimento da preclusão. […] (HC n. 114.544, Rel. Ministro Gilmar Mendes, 2ª T., DJe 28/11/2013)

Em casos peculiares, o decurso de tempo substancial desde a ocorrência da nulidade afasta a alegação de prejuízo para a parte, a qual, no afã de superar a coisa julgada e de rever a condenação criminal, vale-se do writ para alçar o sistema de nulidades a um meandro técnico por onde se escoa a substância do processo, enquanto resultado.

Ilustrativamente:

 […] 2. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento no sentido de que “a ausência de razões da apelação e de contra-razões à apelação do Ministério Público não é causa de nulidade por cerceamento de defesa, se o defensor constituído pelo réu foi devidamente intimado para apresentá-las” (STF, HC 91.251/RJ, Rel. Ministra CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 19/06/2007, DJe 17/08/2007). 3. A ausência das razões recursais não gerou prejuízo ao Paciente, pois o Tribunal a quo examinou amplamente a matéria submetida à sua apreciação. E, conforme preceitua o art. 563, do Código de Processo Penal, que consagra o princípio pas de nullité sans grief, “[n]enhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa”, mormente se a parte contribuiu para a sua ocorrência. 4. Não obstante o trânsito em julgado do acórdão da apelação ter ocorrido em 19/05/2003, a Defesa quedou-se inerte, mesmo após ser intimada do decisum, somente alegando a nulidade após 7 (sete) anos do trânsito em julgado da condenação, o que torna preclusa a matéria. […] (HC n. 191.023/RS, Rel. Ministra Laurita Vaz, 5ª T., DJe 1°/2/2013)

III. Prejuízo para a parte não demonstrado

Sob essas premissas, não verifico a possibilidade de conceder a ordem.

O réu apelou, por termo dos autos, e sua defesa técnica, intimada a arrazoar o recurso, permaneceu inerte. O Tribunal a quo julgou o recurso sem as imprescindíveis razões recursais e sem intimar a parte para constituir novo patrono. Apesar da grave agressão à ampla defesa do réu, que compreende o direito à apelação em sua inteireza, sobretudo para garantir o duplo grau de jurisdição, não está caracterizada sua situação de indefeso, apta a ensejar, passados quase cinco anos desde o trânsito em julgado da condenação, o reconhecimento do prejuízo concreto imprescindível para a anulação do ato judicial.

O Tribunal de Justiça, ao julgar a apelação criminal, apreciou de forma detalhada os itens da sentença, pois entendeu que o réu se insurgiu contra todos os seus termos. Relatou a condenação do acusado a 3 anos de reclusão e 10 dias-multa, como incurso no art. 16, caput, da Lei n. 10.826/2003 e analisou, além da autoria e da materialidade delitivas, a dosimetria da pena e a possibilidade de aplicação do art. 44 do CP e do sursis.

Quanto à imputação, salientou que, em 23/1/2008, o apelante guardava e conduzia: a) pistola calibre .40, com numeração raspada e 11 munições intactas e b) revólver calibre .38, com 11 munições intactas. Também, “a partir dos depoimentos testemunhais e de indícios concatenados”, existem provas suficientes para a condenação (fl. 12), principalmente quando a autoria delitiva “foi corroborada pelos depoimentos dos policiais que efetuaram a prisão” (fl. 13). A materialidade, por sua vez, foi comprovada “através do termo de exibição” e “demais provas circunstanciais”, pois “o exame procedido nas armas em questão concluiu encontrarem-se elas em condições de uso e poder de realização de disparos, além de [ter] sido positiva a pesquisa de pólvora no interior dos canos de ambas” (fl. 15).

Em relação à dosimetria, o acórdão registrou que a pena-base foi fixada no mínimo legal previsto no art. 16 da Lei n. 10.826/2003, a ser cumprida no regime aberto, não sendo recomendável a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos ou a concessão do sursis, diante de outros processos a que o réu responde e de uma condenação mantida em apelação. O acórdão foi publicado em 6/10/2009 e não foi objeto de irresignação pela defesa, transitando em julgado para ambas as partes.

Assim, apesar da falta de razões da apelação, o decurso de notável período de tempo – quase cinco anos depois do trânsito em julgado – sem nenhuma irresignação da defesa, evidencia a inexistência de prejuízo concreto para o réu, imprescindível para a anulação do acórdão, principalmente porque o Tribunal reexaminou a sentença penal de forma ampla e o writ não apontou nenhuma irregularidade que deixou de ser enfrentada, a justificar a concessão da ordem de ofício.

IV. Dispositivo

À vista do exposto, não conheço do habeas corpus e, ao analisar o seu teor, não constato a existência de patente ilegalidade que implique a concessão da ordem de ofício.

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Evinis Talon é Advogado Criminalista com atuação no Brasil inteiro, com 12 anos de experiência na defesa penal, professor de cursos de pós-graduação com experiência de 11 anos na docência, Doutorando em Direito Penal pelo Centro de Estudios de Posgrado (México), Doutorando pela Universidade do Minho (Portugal – aprovado em 1º lugar), Mestre em Direito (UNISC), Máster en Derecho Penal (Universidade de Sevilha), Máster en Derecho Penitenciario (Universidade de Barcelona), Máster en Derecho Probatorio (Universidade de Barcelona), Máster en Derechos Fundamentales (Universidade Carlos III de Madrid), Máster en Política Criminal (Universidade de Salamanca – cursando), especialista em Direito Penal, Processo Penal, Direito Constitucional, Filosofia e Sociologia, autor de 7 livros, ex-Defensor Público do Rio Grande do Sul (2012-2015, pedindo exoneração para advogar. Aprovado em todas as fases durante a graduação), palestrante que já participou de eventos em 3 continentes e investigador do Centro de Investigação em Justiça e Governação (JusGov) de Portugal. Citado na jurisprudência de vários tribunais, como TRF1, TJSP, TJPR, TJSC, TJGO, TJMG, TJSE e outros.

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