Superior Tribunal de Justiça

Evinis Talon

STF: o habeas corpus para trancamento da ação penal somente pode ser utilizado diante de evidente ilegalidade ou abuso de poder

12/06/2019

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Decisão proferida pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal no HC 105167, julgado em julgado em 06/03/2012 (leia a íntegra do acórdão).

Confira a ementa:

HABEAS CORPUS. CRIME DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA QUALIFICADA. ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL. TESE DA PRESCRIÇÃO ANTECIPADA. DESARQUIVAMENTO DA INVESTIGAÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO PELA EMPRESA VÍTIMA. POSSIBILIDADE. INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO. ORDEM DENEGADA. 1. É pacífica a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal quanto à excepcionalidade do trancamento da ação penal pela via processualmente contida do habeas corpus. Via de verdadeiro atalho que somente autoriza o encerramento prematuro do processo-crime quando de logo avulta ilegalidade, ou, então, abuso de poder. 2. Por efeito do sistema de comandos da Constituição Federal, a ação do habeas corpus não se presta para a renovação de atos próprios da instrução criminal. A Constituição Federal de 1988, ao cuidar dele, habeas corpus, pelo inciso LXVIII do art. 5º, autoriza o respectivo manejo “sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção”. Mas a Constituição não pára por aí e arremata o seu discurso normativo: “por ilegalidade ou abuso de poder”. 3. Ilegalidade e abuso de poder não se presumem; ao contrário, a presunção é exatamente inversa. Pelo que, ou os autos dão conta de uma violência indevida, de um cerceio absolutamente antijurídico por abuso de poder, ou então por ilegalidade, ou de habeas corpus não se pode socorrer o paciente. Logo, o indeferimento do habeas corpus não é uma exceção; exceção é o trancamento da ação penal pela via de atalho em que o habeas corpus consiste. 4. O Supremo Tribunal Federal rejeita a construção doutrinária da chamada prescrição em perspectiva ou prescrição antecipada. Isso por ausência de previsão legal da pretendida causa de extinção da punibilidade. Precedentes: HC 88.087, da relatoria do ministro Sepúlveda Pertence; HC 82.155, da relatoria da ministra Ellen Gracie; HC 83.458 e RHC 86.950, da relatoria do ministro Joaquim Barbosa; RHC 76.153, da relatoria do ministro Ilmar Galvão. E, mais recentemente, a Questão de Ordem no RE 602.527, da relatoria do ministro Cezar Peluso. 5. Ilegalidade da decisão de Primeiro Grau que deu pelo arquivamento do inquérito policial. Decisão passível de correção por meio de mandado de segurança. Única via processual disponível para que a empresa vítima do desfalque patrimonial pudesse alcançar a devida tutela jurisdicional, nos termos do inciso XXXV do art. 5º da CF/88. 6. Ordem denegada. (HC 105167, Relator(a):  Min. AYRES BRITTO, Segunda Turma, julgado em 06/03/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-118 DIVULG 15-06-2012 PUBLIC 18-06-2012)

Leia a íntegra do voto:

V O T O

O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO (Relator):

Consoante relatado, o pedido que se contém neste habeas corpus se louva em múltiplos fundamentos, todos eles prestantes ao trancamento da persecução criminal contra o paciente.

6. Pois bem, de saída, lembro a pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal quanto à excepcionalidade do trancamento de ação penal pela via processualmente contida do habeas corpus. Jurisprudência assentada na idéia-força de que o trancamento da ação penal é medida restrita a situações excepcionais (HCs 87.310, 91.005 e RHC 88.139, da minha relatoria; HC 87.293, da relatoria do ministro Eros Grau; HC 85.740, da relatoria do ministro Ricardo Lewandowski; e HC 85.134, da relatoria do ministro Marco Aurélio).

7. Externando por outra forma a idéia: é por efeito do sistema de comandos da Constituição Federal que a via processualmente contida do habeas corpus não se presta para a renovação de atos próprios da instrução processual penal. Quero dizer: a Constituição Federal de 1988, ao cuidar dele, habeas corpus, pelo inciso LXVIII do art. 5º, autoriza o respectivo manejo sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção. Mas a Constituição não pára por aí e arremata o seu discurso: “por ilegalidade ou abuso de poder”.

8. De outro modo, aliás, não podia ser, pois ilegalidade e abuso de poder não se presumem; ao contrário, a presunção é exatamente inversa. Logo, ou os autos dão conta de uma violência indevida, de um cerceio absolutamente antijurídico por abuso de poder, ou por ilegalidade, ou de habeas corpus não se pode socorrer o paciente, dado que tal ação constitucional perde sua prestimosidade. É que o indeferimento do habeas corpus não é uma exceção; exceção é o trancamento da ação penal à luz desses elementos interpretativos diretamente hauridos da Constituição.

9. Dito isso, passo a examinar a alegação de que o Tribunal paulista incorreu em ilegalidade flagrante, ao conceder o mandado de segurança para restaurar a persecução criminal contra o paciente. Mandado de segurança que foi ajuizado pela empresa supostamente vítima do desfalque patrimonial perpetrado pelo ora paciente. Para tanto, reproduzo os fundamentos adotados pela Casa de Justiça estadual paulista:

 “[…] Trata-se de mandado de segurança impetrado por vítima de crime de apropriação indébita qualificada para cassar decisão judicial que acolhendo pedido do Ministério Público reconheceu antecipadamente a prescrição da pretensão punitiva e determinou o arquivamento do inquérito policial que apurou o fato. […] Note-se que a prescrição antecipada foi invocada com base em meras conjeturas a respeito do montante da pena que se situaria no mínimo ou pouco mais do mínimo legal e não no máximo da pena abstratamente cominada, suposições que não levaram em consideração o vulto do suposto prejuízo material causado à vítima que, certamente, influiria na fixação da pena para exasperá-la, em caso de condenação. Como se vê, não se trata de pedido de arquivamento com base na insuficiência de elementos indiciários para a propositura da ação penal, pelo contrário, nele o Ministério Público reconhece a ocorrência do delito e em vez de oferecer a denúncia, pede o arquivamento do inquérito policial no pressuposto de que a pena a ser aplicada, no mínimo ou pouco mais, estaria atingida pela prescrição. Saliente-se que, tendo o Ministério Público reconhecido existir provas da autoria e da materialidade do crime, o pedido de arquivamento do inquérito policial, pelo fundamento invocado, implica inobservância do princípio da indisponibilidade da ação penal. Assim, a decisão judicial, que acolhe pedido de arquivamento desse jaez, incorre em nulidade, que pode ser pronunciada em sede de mandado de segurança, à falta de previsão legal de recurso criminal específico e a pedido do sujeito passivo material do ilícito penal, a quem a lei também assegura intervir na persecução penal do acusado, notadamente quando abdicada pelo Estado. […]” (Sem destaques no original.)

10. Presente esta moldura, tenho que a ordem é de ser denegada. Digo isso porque esta nossa Casa de Justiça rejeita a construção doutrinária da chamada prescrição em perspectiva ou prescrição antecipada. Isso por ausência de previsão legal da pretendida causa de extinção da punibilidade. Confiram-se, por amostragem, os seguintes precedentes: HC 88.087, da relatoria do ministro Sepúlveda Pertence; HC 82.155, da relatoria da ministra Ellen Gracie; HC 83.458 e RHC 86.950, da relatoria do ministro Joaquim Barbosa; RHC 76.153, da relatoria do ministro Ilmar Galvão. E, mais recentemente, a Questão de Ordem no RE 602.527, da relatoria do ministro Cezar Peluso, in verbis:

“AÇÃO PENAL. Extinção da punibilidade. prescrição da pretensão punitiva em perspectiva, projetada ou antecipada. Ausência de previsão legal. Inadmissibilidade. Jurisprudência reafirmada. Repercussão geral reconhecida. Recurso extraordinário provido. Aplicação do art. 543-B, § 3º, do CPC. É inadmissível a extinção da punibilidade em virtude de prescrição da pretensão punitiva com base em previsão da pena que hipoteticamente seria aplicada, independentemente da existência ou sorte do processo criminal.” (Sem destaques no original.)

11. Assim postas as coisas, tenho que agiu bem o Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, ao conceder a segurança ali impetrada pela Empresa vítima do desfalque patrimonial perpetrado pelo agente. Tribunal que identificou – a meu ver acertadamente – uma flagrante ofensa ao princípio da obrigatoriedade da ação penal pública incondicionada. Flagrante ofensa também evidenciada pela relevância do dano patrimonial supostamente causado pelo paciente (algo em torno de R$ 490.000,00). Circunstância que, ao que tudo indica, não foi considerada pelo órgão ministerial público de Primeiro Grau para dar pela provável ocorrência da prescrição. Vale dizer: uma leitura um pouco mais detida das peças do inquérito policial já sinalizava para o fato de que eventual pena privativa de liberdade superaria a pena mínima estabelecida para o tipo incriminador. O que acabou por se confirmar, devido a que o paciente foi condenado em Primeira Instância à pena de 4 (quatro) anos, 5 (cinco) meses e 10 (dez) dias de reclusão, na forma do inciso III do § 1º do art. 168 do Código Penal.

12. Nessa contextura, não vejo alternativa senão recusar o pedido de trancamento da ação penal em causa. Até porque, segundo ficou demonstrado nos autos, o próprio órgão ministerial público assentou tanto a prova da materialidade quanto a presença de indícios suficientes e concretos da respectiva autoria. Tudo a demonstrar a ilegalidade da decisão singular que deu pelo arquivamento do inquérito policial. Decisão passível, portanto, do devido reparo por meio da ação constitucional do mandado de segurança, única via processual disponível para que a Empresa vitimada pudesse alcançar a devida tutela jurisdicional. Afinal de contas, “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (inciso XXXV do art. 5º da CF/88). Pelo que adiro aos fundamentos do parecer da Procuradoria-Geral da República, que me parecem juridicamente acertados, in verbis:

 “[…] 9. O Juízo de primeiro grau, acolhendo o pedido do Ministério Público, determinou o arquivamento do inquérito policial, instaurado para apurar a suposta prática do crime de apropriação indébita (art. 168, § 1º, do CP), com base na ocorrência da prescrição virtual. A empresa Sangari do Brasil Ltda., irresignada com a decisão monocrática, impetrou mandado de segurança, ante a ausência de medida recursal específica, visando o prosseguimento da persecução criminal, interrompida em face de entendimento não acolhido pela jurisprudência pátria (prescrição antecipada). 10. Com efeito, o ordenamento jurídico pátrio não prevê a prescrição em perspectiva, também denominada antecipada ou projetada, que leva em conta a pena a ser aplicada no futuro, em caso de condenação e é refutado pela doutrina e jurisprudência majoritárias. Em consonância, foi editada pelo Superior Tribunal de Justiça a Súmula 438 (DJe de 13.5.2010): “É inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal.” Dessa forma, bem asseverou o Superior Tribunal de Justiça que, em razão da prescrição não ter sido decretada conforme determina os arts. 109 e 110 do Código Penal, impossível falar na existência de coisa julgada em favor do paciente, um vez que o ato judicial atacado afronta a legislação penal vigente, bem como os princípios constitucionais informadores do processo, dentre eles os princípios do contraditório e do devido processo legal. Houve, portanto, error in judicando, até porque, demonstrado no voto-vista do Ministro Celso Limongi, houve erro do juiz e do promotor até mesmo no cálculo da prescrição em perspectiva: “erraram o Dr. Promotor e o MM. Juiz, no cálculo da pena calculada abstratamente: havia razões de sobra para imaginar que a pena não seria calculada nos mínimos legais e, efetivamente, a r. sentença final, proferida por Juiz sabidamente garantista, o Dr. Benedito Roberto Garcia Pozzer, fixou a pena privativa de liberdade em 4 anos, 5 meses e 10 dias de reclusão. O arquivamento desconsiderou que se tratava de apropriação indébita qualificada, com numerosos delitos em continuidade, tudo a justificadamente elevar as penas. 11. A decisão que reconheceu a prescrição antecipada foi prontamente impugnada por mandado de segurança impetrado pela empresa-vítima. Embora possa ser questionado o entendimento de que o assistente da acusação não pode intervir na fase da admissibilidade da acusação (que não se confunde com a intervenção do assistente durante o inquérito), o que importa ressaltar é que essa é a posição dominante (diante que dispõe o art. 268 do CPP: em todos os termos da ação penal). Portanto, não sendo permitido à empresa-vítima interpor recurso em sentido estrito (para o qual o ofendido só fica legitimado após a instauração da ação penal, conforme a tese restritiva), a única opção viável para buscar reverter o ato ilegal era o mandado de segurança (RE 76.909/RS, Plenário 05.12.73, rel. Min. Xavier de Albuquerque, DJ 17.05.1974). E o reconhecimento da prescrição antecipada, além de ilegal (por não estar previsto na lei penal: error in judicando), é, na linha daquele precedente da Suprema Corte, causador de dano irreparável, na medida em que, com violação ao princípio da obrigatoriedade da ação penal, fez abortar a persecução penal e, portanto, recusou a devida prestação jurisdicional (cfe. art. 5º, XXXV, da Constituição: nas palavras do Ministro Xavier de Albuquerque no precedente citado, falta pura e simples de jurisdição). O Superior Tribunal de Justiça também tem precedente específico, onde destacado que deve ser admitida a impetração quando o mandado de segurança não se destina a atacar o despacho que determinou o arquivamento em si, mas sim, a sua legalidade: RMS 3.785/MG, rel. Min. Anselmo Santiago, DJ 26.04.1998). 12. E, tendo em vista que decisão de declaração da extinção da punibilidade tem força de coisa julgada material, mais clara fica a evidência do dano irreparável. É importante destacar, aqui, que o reconhecimento da atipicidade ou a extinção da punibilidade, que gera coisa julgada material, não se confunde com o arquivamento por falta de elementos suficientes para a denúncia, que é decisão tomada segundo o estado do processo: Inq 2607/PR QO, rel. Min. Cármen Lúcia; Pet 3943/MG, rel. Min. Cezar Peluso; Inq 2341/MT QO, rel. Min. Gilmar Mendes; HC 83.346/SP, rel. Min. Sepúlveda Pertence; Pet 3197/SP QO, rel. Min. Sepúlveda Pertence; Inq 1443/SP, rel. Min Sepúlveda Pertence; Inq 1538/PR, rel. Min. Sepúlveda Pertence; HC 66.625/SP, rel. Min. Octavio Gallotti. 13. Nem cabe falar em correição parcial, porquanto “a correição parcial é medida tendente a reparar vício de procedimento (error in procedendo), sendo incabível a sua interposição para impugnar as razões jurídicas da decisão judicial (error in judicando)”: HC 81427/DF, rel. Min. Cezar Peluso, DJe-055, 26-03-2010. 14. Cabe afastar, também, a alegada discrepância com Súmula 524, cuja base é o art. 18 do Código de Processo Penal (arquivamento rebus sic stantibus, por falta de base fática para denúncia: Hélio Tornaghi. Comentários ao Código de Processo Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1956, v. 1. t. 1, p. 187) e que não tem incidência quando o arquivamento gera coisa julgada material. No caso, foi justamente para evitar o trânsito em julgado e a formação da coisa julgada que a parte ofendida ingressou com o mandado de segurança, único remédio possível. […]” (Sem destaques no original.)

13. Por tudo quanto posto, denego a ordem e casso a liminar por mim deferida.

14. É como voto.

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Evinis Talon é Advogado Criminalista com atuação no Brasil inteiro, com 12 anos de experiência na defesa penal, professor de cursos de pós-graduação com experiência de 11 anos na docência, Doutorando em Direito Penal pelo Centro de Estudios de Posgrado (México), Doutorando pela Universidade do Minho (Portugal – aprovado em 1º lugar), Mestre em Direito (UNISC), Máster en Derecho Penal (Universidade de Sevilha), Máster en Derecho Penitenciario (Universidade de Barcelona), Máster en Derecho Probatorio (Universidade de Barcelona), Máster en Derechos Fundamentales (Universidade Carlos III de Madrid), Máster en Política Criminal (Universidade de Salamanca – cursando), especialista em Direito Penal, Processo Penal, Direito Constitucional, Filosofia e Sociologia, autor de 7 livros, ex-Defensor Público do Rio Grande do Sul (2012-2015, pedindo exoneração para advogar. Aprovado em todas as fases durante a graduação), palestrante que já participou de eventos em 3 continentes e investigador do Centro de Investigação em Justiça e Governação (JusGov) de Portugal. Citado na jurisprudência de vários tribunais, como TRF1, TJSP, TJPR, TJSC, TJGO, TJMG, TJSE e outros.

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