Superior Tribunal de Justiça

Evinis Talon

Prisão cautelar fundada em atos infracionais pretéritos (informativo 585 do STJ)

29/01/2019

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No RHC 63.855-MG, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 11/5/2016, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que a prática de ato infracional durante a adolescência pode servir de fundamento para a decretação de prisão preventiva em um processo penal, sendo indispensável para tanto que o juiz observe como critérios orientadores: a) a particular gravidade concreta do ato infracional, não bastando mencionar sua equivalência a crime abstratamente considerado grave; b) a distância temporal entre o ato infracional e o crime que deu origem ao processo (ou inquérito policial) no qual se deve decidir sobre a decretação da prisão preventiva; e c) a comprovação desse ato infracional anterior, de sorte a não pairar dúvidas sobre o reconhecimento judicial de sua ocorrência (clique aqui).

Informações do inteiro teor:

No que concerne às medidas cautelares pessoais, o conceito de periculum libertatis denota exatamente a percepção de que a liberdade do investigado ou acusado pode trazer prejuízos futuros para a instrução, para a aplicação da lei ou para a ordem pública. É válida a prisão preventiva para garantia da ordem pública, de maneira a evitar a prática de novos crimes pelo investigado ou acusado, ante a sua periculosidade, manifestada na forma de execução do crime, ou no seu comportamento anterior ou posterior à prática ilícita.

Ademais, não há como escapar da necessidade de aferir se o bem jurídico sob tutela cautelar encontra-se sob risco de dano, o que, no âmbito criminal, se identifica com a expressão periculum libertatis, isto é, o perigo que a liberdade do investigado ou réu representa para a instrução criminal, a aplicação da lei penal ou a ordem pública e/ou econômica. Ao menos no que toca a este último fundamento, sua invocação como motivo para a decretação da cautela extrema funda-se em avaliação concreta da periculosidade do agente, ou seja, a probabilidade de que o autor de um facto-crime repita a sua conduta típica e ilícita.

Assim, a probabilidade de recidiva do comportamento criminoso se afere em face do passado do réu ou pelas circunstâncias específicas relativas ao modus operandi do crime sob exame. Lembre-se que, também para fins cautelares, se aceitam como válidos os registros em folha de antecedentes penais ainda não definitivamente convolados em sentenças condenatórias, porquanto se, de um lado, não servem para elevar a pena, permitem ao juiz da causa, por outro lado, avaliar se a prisão do réu/investigado é necessária para preservar a ordem pública, ante a perspectiva de cometimento de novos crimes pelo acusado.

Ora, se uma pessoa, recém ingressa na maioridade penal, comete crime grave e possui histórico de atos infracionais também graves, indicadores de seu comportamento violento, como desconsiderar tais dados para a avaliação judicial sobre a sua periculosidade? Sobre essa questão, duas considerações mostram-se importantes para o debate. A primeira delas diz respeito à natureza e ao grau de cognoscibilidade do juízo cautelar, em todo diverso – ainda que em relação de instrumentalidade – ao juízo de condenação. Deveras, para um provimento cautelar qualquer, nomeadamente o que impõe a segregação provisória do réu, basta, em conformidade com o texto do art. 312 do CPP, prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. Já para o juízo de condenação, é necessária a prova da existência do crime e a prova cabal de sua autoria.

Outrossim, o juízo cautelar labora com aparência (verossimilhança) do direito subjacente à postulação, mero juízo hipotético, alcançado por meio de cognição limitada (na extensão) e perfunctória (na profundidade), ainda assim idônea para permitir ao julgador decidir provisoriamente, tendo em mira a preservação de um interesse ou bem que se encontra ameaçado de perecimento ou dano ante a manutenção do status quo. Por sua vez, o juízo de mérito labora com a certeza sobre os fatos constitutivos, é definitivo e impõe cognição exauriente e ampla sobre os fatos articulados e as provas produzidas, somente com a qual se legitima a condenação do acusado.

Dizer, então, que não podem ser extraídas informações sobre os processos por ato infracional para fins processuais, tout court, é, com a mais respeitosa vênia, afirmação sujeita a refutação. Evidentemente não cabe considerar atos infracionais como antecedentes penais, bastando, para dar TERCEIRA SEÇÃO 6 lastro a tal assertiva, lembrar que ato infracional não é crime, que medida socioeducativa não é pena, inclusive quanto aos fins a que se destina, que o adolescente não é imputável, que a sentença final nos processos por ato infracional não é condenação. Daí, porém, a não poder utilizar, para avaliação judicial de natureza cautelar – que não pressupõe juízo de culpabilidade, mas de periculosidade do agente – o histórico recente de vida do acusado, ao tempo em que ainda não atingira a maioridade, vai uma grande distância. Os registros sobre o passado de uma pessoa, seja ela quem for, não podem ser desconsiderados para fins cautelares.

A avaliação sobre a periculosidade de alguém impõe que se perscrute todo o seu histórico de vida, em especial o seu comportamento perante a comunidade, em atos exteriores, cujas consequências tenham sido sentidas no âmbito social, quais os atos infracionais praticados. Se estes não servem, por óbvio, como antecedentes penais e muito menos para firmar reincidência (porque tais conceitos implicam a ideia de “crime” anterior), não podem ser ignorados para aferir o risco que a sociedade corre com a liberdade plena do acusado. É de lembrar, outrossim, que a proteção estatal prevista na Lei n. 8.069/1990 (ECA), no seu art. 143, é voltada ao adolescente (e à criança), condição que o réu deixou de ostentar ao tornar-se imputável.

Com efeito, se, durante a infância e a adolescência do ser humano, é imperiosa a maior proteção estatal, a justificar todas as cautelas e peculiaridades no processo de apuração de atos contrários à ordem jurídica, inclusive com a imposição do sigilo sobre os atos judiciais, policiais e administrativos que digam respeito a crianças e adolescentes a que se atribua autoria de ato infracional (art. 143 do ECA), tal dever de proteção cessa com a maioridade penal. Não existe, portanto, vedação legal a que, no exercício da jurisdição criminal, utilize o juiz, excepcionalmente, dos registros relativos a atos infracionais praticados pelo acusado quando ainda adolescente.

A toda evidência, isso não equivale a sustentar a possibilidade de decretar-se a prisão preventiva, para garantia da ordem pública, simplesmente porque o réu cometeu um ato infracional anterior. O raciocínio é o mesmo que se utiliza para desconsiderar antecedente penal que, por dizer respeito a fato sem maior gravidade, ou por registrar fato já longínquo no tempo, não deve, automaticamente, supedanear o decreto preventivo. Não será, pois, todo e qualquer ato infracional praticado pelo acusado quando ainda adolescente que poderá render-lhe juízo de periculosidade e autorizar, por conseguinte, a inflição de custódia ante tempus. Não teria sentido, seria um verdadeiro despropósito atentatório à excepcionalidade da providência cautelar extrema, considerar, por exemplo, atos infracionais equivalentes a crime de furto ou de falsificação de documento como indicadores da necessidade da prisão preventiva.

De igual modo, mesmo em se tratando de atos infracionais graves, equivalentes a crimes de homicídio, roubo ou estupro, não se justificaria a segregação cautelar do réu ante a constatação de que tais atos infracionais foram perpetrados há anos, sem que se tenha notícia de novos atos graves posteriores. Seria, pois, indispensável que a autoridade judiciária competente, para a consideração dos atos infracionais do então adolescente, averiguasse: a) a particular gravidade concreta do ato infracional, não bastando mencionar sua equivalência a crime abstratamente considerado grave; b) a distância temporal entre o ato infracional e o crime que deu origem ao processo (ou inquérito policial) no qual se deve decidir sobre a decretação da prisão preventiva; e c) a comprovação desse ato infracional anterior, de sorte a não pairar dúvidas sobre o reconhecimento judicial de sua ocorrência.

Assim, propõem-se os mencionados critérios orientadores que o juiz deve considerar na busca de um ponto de equilíbrio no embate, imanente ao processo penal, entre o poder punitivo do Estado e o direito à liberdade do indivíduo.

Confira a ementa do RHC 63.855/MG:

RECURSO EM HABEAS CORPUS. RELEVÂNCIA DA QUESTÃO JURÍDICA POSTA. AFETAÇÃO DO WRIT À TERCEIRA SESSÃO. FINALIDADE DE ESTABELECER DIRETRIZES INTERPRETATIVAS PARA CASOS FUTUROS SEMELHANTES. MISSÃO DO STJ COMO CORTE DE PRECEDENTES. PRISÃO PREVENTIVA. PRÁTICA PRETÉRITA DE ATOS INFRACIONAIS. PROBABILIDADE DE RECIDIVA DO COMPORTAMENTO CRIMINOSO. JUÍZO DE CAUTELARIDADE BASEADO NA PERICULOSIDADE DO AGENTE VERSUS PROTEÇÃO ESTATAL À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE (ECA, ART. 143). DEVER DE PROTEÇÃO QUE CESSA COM A MAIORIDADE DO ACUSADO. LIBERDADE COMO RISCO DE DANO À ORDEM PÚBLICA. FUNDAMENTO IDÔNEO PARA A DECRETAÇÃO DA MEDIDA EXTREMA. NECESSIDADE DE PONDERAÇÃO PELO MAGISTRADO QUANTO: I) À GRAVIDADE CONCRETA DO ATO INFRACIONAL; II) À DISTÂNCIA TEMPORAL ENTRE OS REGISTROS DA VIJ E A CONDUTA ENSEJADORA DA PRISÃO PREVENTIVA; III) À COMPROVAÇÃO DA OCORRÊNCIA DOS ATOS INFRACIONAIS. REQUISITOS NÃO CUMPRIDOS PELA DECISÃO ORA IMPUGNADA. LEGALIDADE DA PRISÃO RESPALDADA POR OUTROS FUNDAMENTOS DO DECRETO PREVENTIVO. RECURSO DESPROVIDO.
1. A controvérsia entre as turmas que compõem a Terceira Seção desta Corte – possibilidade de que, tal qual se dá em relação aos antecedentes penais, sejam os atos infracionais perpetrados pelo acusado, quando ainda era inimputável, considerados para fins cautelares – demanda uniformização quanto ao entendimento sobre a questão jurídica suscitada, o que justifica a afetação deste writ ao órgão colegiado mais qualificado.
2. A probabilidade de recidiva do comportamento criminoso se afere em face do passado do acusado ou pelas circunstâncias específicas relativas ao modus operandi do crime sob exame. Isso equivale a dizer que se o imputado cometeu o crime com, por exemplo, requintes de crueldade e excesso de violência, pode-se concluir que se trata de pessoa perigosa ao convívio social. Ou, por outro ângulo, mais centrado no passado do acusado, se os seus registros criminais denotam ser alguém que já respondeu ou responde por outros crimes de igual natureza, que traduzem um comprometimento com práticas ilícitas graves, não é leviano concluir que se trata de alguém cuja liberdade representa um consistente risco de dano à ordem pública, à paz social, à própria vítima e/ou à coletividade.
3. Os registros sobre o passado de uma pessoa, seja ela quem for, não podem ser desconsiderados para fins cautelares. A avaliação sobre a periculosidade de alguém impõe que se perscrute todo o seu histórico de vida, em especial o seu comportamento perante a comunidade, em atos exteriores, cujas consequências tenham sido sentidas no âmbito social. Se os atos infracionais não servem, por óbvio, como antecedentes penais e muito menos para firmar reincidência (porque tais conceitos implicam a ideia de “crime” anterior), não podem ser ignorados para aferir a personalidade e eventual risco que sua liberdade plena representa para terceiros.
4. É de lembrar, outrossim, que a proteção estatal prevista no ECA, em seu art. 143, é voltada ao adolescente (e à criança), condição que o réu deixou de ostentar ao tornar-se imputável. Com efeito, se, durante a infância e a adolescência do ser humano, é imperiosa a maior proteção estatal, a justificar todas as cautelas e peculiaridades inerentes ao processo na justiça juvenil, inclusive com a imposição do sigilo sobre os atos judiciais, policiais e administrativos que digam respeito a crianças e, em especial, aos adolescentes aos quais se atribua autoria de ato infracional (art. 143 da Lei n. 8.069/1990), tal dever de proteção cessa com a maioridade penal, como bem destacado no referido precedente.
5. A toda evidência, isso não equivale a sustentar a possibilidade de decretar-se a prisão preventiva, para garantia da ordem pública, simplesmente porque o réu cometeu um ato infracional anterior. O raciocínio é o mesmo que se utiliza para desconsiderar antecedente penal que, por dizer respeito a fato sem maior gravidade, ou já longínquo no tempo, não deve, automaticamente, supedanear o decreto preventivo.
6. Seria, pois, indispensável que a autoridade judiciária competente, para a consideração dos atos infracionais do então adolescente, averiguasse: a) A particular gravidade concreta do ato ou dos atos infracionais, não bastando mencionar sua equivalência a crime abstratamente considerado grave; b) A distância temporal entre os atos infracionais e o crime que deu origem ao processo (ou inquérito policial) no curso do qual se há de decidir sobre a prisão preventiva; c) A comprovação desses atos infracionais anteriores, de sorte a não pairar dúvidas sobre o reconhecimento judicial de sua ocorrência.
7. Na espécie, a par de ausente documentação a respeito, o Juiz natural deixou de apontar, concretamente, quais atos infracionais foram cometidos pelo então adolescente e em que momento e em que circunstâncias eles ocorreram, de sorte a permitir, pelas singularidades do caso concreto, aferir o comportamento passado do réu, sua personalidade e, por conseguinte, elaborar um prognóstico de recidiva delitiva e de periculosidade do acusado.
8. No entanto, há outras razões invocadas pelo Juízo singular que se mostram suficientes para dar ares de legalidade à ordem de prisão do ora paciente, ao ressaltar “que o crime foi praticado com grave violência, demonstrando conduta perigosa que não aconselha a liberdade”, bem como o fato de o delito ter sido cometido em razão de dívida de drogas, em concurso de pessoas, por determinação do paciente, “que comanda uma das quadrilhas de tráfico de entorpecentes da região”.
9. Recurso em habeas corpus desprovido.
(STJ, Terceira Seção, RHC 63.855/MG, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 11/05/2016)

Leia também:

  • Informativo 619 do STJ: é inviável o reconhecimento de reincidência com base em um único processo anterior (leia aqui)
  • Informativo 623 do STJ: a denúncia anônima, por si só, não é suficiente para autorizar o ingresso no domicílio do acusado (leia aqui)
  • Informativo 623 do STJ: cabe ao juiz decidir sobre a existência de dolo eventual ou culpa consciente na primeira fase do Tribunal do Júri (leia aqui)

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Evinis Talon é Advogado Criminalista com atuação no Brasil inteiro, com 12 anos de experiência na defesa penal, professor de cursos de mestrado e doutorado com experiência de 11 anos na docência, Doutor em Direito Penal pelo Centro de Estudios de Posgrado (México), Doutorando pela Universidade do Minho (Portugal – aprovado em 1º lugar), Mestre em Direito (UNISC), Máster en Derecho Penal (Universidade de Sevilha), Máster en Derecho Penitenciario (Universidade de Barcelona), Máster en Derecho Probatorio (Universidade de Barcelona), Máster en Derechos Fundamentales (Universidade Carlos III de Madrid), Máster en Política Criminal (Universidade de Salamanca – cursando), especialista em Direito Penal, Processo Penal, Direito Constitucional, Filosofia e Sociologia, autor de 7 livros, ex-Defensor Público do Rio Grande do Sul (2012-2015, pedindo exoneração para advogar. Aprovado em todas as fases durante a graduação), palestrante que já participou de eventos em 3 continentes e investigador do Centro de Investigação em Justiça e Governação (JusGov) de Portugal. Citado na jurisprudência de vários tribunais, como TRF1, TJSP, TJPR, TJSC, TJGO, TJMG, TJSE e outros.

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